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01
ago
2008
(REFLORESTAMENTO)
O Ciclo do Pinus

O que já foi chamado de deserto verde, pela proliferação da área reflorestada na Serra Catarinense, pode ser considerado um mar de pinus. Com toda a riqueza que o oceano é capaz de proporcionar e que, na região, garante movimentação financeira bilionária.

Atualmente, metade da economia serrana gira em torno da madeira reflorestada, índice que bateu 60% antes da desvalorização do dólar. Entre a pesquisa de sementes aprimoradas até os móveis exportados, são muitas as etapas da cadeia florestal, que agregam valor ao produto e empregam milhares de pessoas.

A tecnologia desenvolvida por grandes empresas e a produtividade do pinus na região ampliaram as oportunidades para o desenvolvimento sustentável da Serra Catarinense.

No Estado, são 548 mil hectares de área reflorestada, 285 mil, ou 52%, na região da Associação dos Municípios da Região Serrana (Amures), que já tem tradição madeireira desde o tempo do extrativismo da araucária, no início do século passado.

Com a instalação das primeiras empresas de celulose e das indústrias de processamento da madeira para a construção civil, em 1960, o setor ganhou impulso. Mas foi a partir de 1980 que houve o boom do pinus na Serra, com a consolidação dos experimentos e a inovação tecnológica. De lá para cá, de acordo com o Sindicato da Madeira de Lages (Sindimadeira), a área plantada cresce entre 5,8% e 6,3% ao ano, alterando drasticamente a paisagem da região.

É justamente esta mudança que provoca descontentamento entre os ambientalistas. Segundo o professor da Uniplac Flavio José Simione, autor do livro O setor de base florestal na Serra Catarinense, toda atividade tem impacto ambiental.

- Entretanto, na Serra é mais uma questão cultural do que ambiental. Altera a paisagem que o povo serrano gosta de ver. O que falta são políticas públicas para conduzir a atividade sem agredir a questão cultural, já que estudos apontam que o setor traz mais benefícios do que impacto para a região - diz.

Benefícios evidentes ao longo da cadeia, que começa no desenvolvimento de sementes, passa pelo cultivo de mudas, que chegou a 30 milhões por ano, plantio e desenvolvimento das árvores, desbastes, que geram matéria-prima para produção de energia e papel, e os últimos cortes de árvores destinadas à madeira para móveis e laminados.

Ainda entram neste ciclo todas as serrarias, indústrias de móveis, as fábricas de máquinas e equipamentos que atendem estes segmentos e as prestadoras de serviços, como transportadoras, oficinas e empresas terceirizadas.

Segundo estudo da Amures, coordenado pelo secretário executivo, Gilsoni Lunardi Albino, os últimos números consolidados, de 2005, dão conta de uma movimentação financeira de R$ 551 milhões no setor de celulose e papel, R$ 160 milhões provenientes da fabricação de produtos de madeira e R$ 45 milhões da sivicultura e exploração florestal.

- O setor movimentou R$ 756 milhões, sem considerar os serviços e as indústrias fornecedoras. Já representou 60% da economia da Serra e ainda garante a metade da movimentação econômica regional - diz Albino.

Vagas garantidas

A indústria de celulose é responsável hoje por quase 30% da movimentação econômica da Serra Catarinense. Boa parte graças às três unidades da maior indústria de papel do país, a Klabin, instaladas na região, em Otacílio Costa, Correia Pinto e Lages. Com uma área plantada de 66 mil hectares, de um total de 130 mil hectares em Santa Catarina, a empresa gera 4 mil empregos diretos e outros 2,5 mil indiretos no Estado, onde produz 550 toneladas de papel por ano usando 2,2 milhões de toneladas de madeira.

O diretor institucional da Klabin, Sadi Carlos de Oliveira, explica que, além dos empregos e da movimentação direta, o setor também assegura grande parte do giro econômico dos municípios onde a empresa está instalada. Em Otacílio Costa, por exemplo, quase 70% da economia está vinculada ao setor florestal. Importância semelhante o setor têm em Correia Pinto.

- O pinus se adaptou muito bem à região, hoje tem índices de produtividade maiores do que na origem, Sul dos EUA e Norte do Canadá. E aqui nós aproveitamos tudo do pinus, até os resíduos são utilizados para gerar energia através de biomassa. Além disso, as florestas ocupam as áreas que não prestam para a agricultura.

Para dispôr de 218 mil hectares plantados, incluindo as áreas de SC, Paraná e São Paulo, a Klabin mantêm outros 183 mil hectares de florestas nativas preservadas, em conformidade com as exigências da legislação ambiental. O pinus ainda predomina, mas já está dando lugar ao eucalipto, hoje com 6 mil hectares plantados graças às modificações genéticas que fazem a espécie resistir ao frio.

- São dois aproveitamentos diferentes. O eucalipto usamos onde é necessária impressão e a colheita é feita entre 7 e 10 anos, enquanto o pinus nos fornece madeira entre 16 e 20 anos - destaca o gerente florestal da Klabin, José Aldezir de Luca Pucci.

A Klabin ainda coloca no mercado 1 milhão de toneladas por ano para a indústria da madeira, que utiliza o meio da tora e devolve a costaneira para a empresa, que utiliza como biomassa.

Enquanto árvore é abatida, novas mudas são plantadas

- Além disso, também compramos árvores dos primeiros desbastes de quem produz para obter madeira. Ou seja, não é uma estrada de uma mão só, é um ciclo fechado - explica.

De fato, em Otacílio Costa, numa das fazendas da Klabin, o processo pode ser acompanhado, do corte das árvores com 20 anos, até o processamento, seleção das toras, transporte até a indústria, moagem das toras que se transformam em cavacos utilizados na fabricação do papel em bobinas, passando pela plantação de mudas em áreas recém desbastadas.

A empresa utiliza equipamentos que aceleram todo o processo, como o feller buncher, que corta várias árvores ao mesmo tempo, abraça as toras abatidas e deposita no chão com cuidado, evitando que na queda a madeira se quebre.

Do antigo trator ao uso do computador

Há 21 anos trabalhando na Klabin como operador de máquinas, Jair Velho já passou por vários tipos de equipamentos.Do antigo trator até o moderno processador que pilota hoje.

O processador florestal de Jair é na verdade uma Harvster, máquina que seleciona as toras cortadas, faz a leitura do diâmetro e do comprimento da madeira e corta no tamanho necessário para o fim que cada uma terá, empilhando cada tipo de tora num local específico para ser transportada corretamente depois.

Todo computadorizado, o equipamento é pilotado como se fosse um videogame, com joystick, monitores e teclados. Na cabine, Jair não passa calor nem corre riscos. O ambiente é climatizado e os vidros, blindados para que nenhum pedaço de madeira, que por ventura se solte, possa provocar acidentes. Na cabine, Jair trabalha ouvindo a música de sua preferência.

- Hoje é uma tranqüilidade. A máquina faz tudo de forma computadorizada, quando chego no escritório móvel, o pen-drive já envia para o sistema todas as informações necessárias, quanto foi cortado, quantas toras para madeireiras, quantas para celulose e o que ficou de resíduo para gerar energia - conta.

Com duas máquinas Harvster e um Feller Buncher, a Klabin consegue abater duas mil toneladas de madeira por dia, diz o gerente geral florestal da empresa, José Aldezir de Luca Pucci.

Muda perfeita

Saem das grandes empresas de celulose, que detêm centros de pesquisa e tecnologia, as sementes de pinus geneticamente aprimoradas que vão abastecer a Serra Catarinense. Na região, cerca de 18 empresas se encarregam de germiná-las e produzir mudas. As pequenas plantas são revendidas aos produtores para que o ciclo florestal tenha continuidade e garanta emprego e renda no decorrer do longo e demorado caminho.

O engenheiro florestal Daniel Josué Haendchen explica que o ciclo do pinus leva de 16 a 20 anos, podendo chegar a 27 anos conforme o destino e aproveitamento da madeira. Mas tudo começa nas áreas de produção de sementes e nos viveiros, como o Terrapinus, de Lages, um dos maiores da região, com capacidade de produção entre 5 e 6 milhões de mudas por ano, para uma demanda regional de 15 milhões de mudas, que, em 2004, chegou ao dobro disso.

Segundo o proprietário da Terrapinus, Felipe Guidali Koeche, cerca de 30% dos mais de 200 compradores de mudas da empresa são profissionais autônomos, como médicos, dentistas e advogados, que plantam pinus como um investimento futuro.

- Estes profissionais são filhos dos pecuaristas que desistiram de criar gado porque perderam competitividade diante de rebanhos de outras regiões do país. Com atividades paralelas e sem tempo para engordar o gado com o olho, eles migraram para o reflorestamento. Hoje temos empresas que prestam serviços desde o plantio até o corte e a atividade virou uma poupança por causa do ciclo longo - explica.

Haendchen conta que a semente demora em torno de seis meses para germinar e virar muda. Ainda precisa de um período de rustificação, no qual adquirem as condições que terão no local onde serão plantadas.

- Cada muda é plantada com um espaçamento de 2 metros por 2,5 metros. Em geral, cada hectare comporta até 2 mil árvores - diz o engenheiro.

Primeiro desbaste ocorre aos seis anos

Como no decorrer dos anos as árvores próximas começam a competir entre si pelos nutrientes do solo são realizados vários desbastes, sempre deixando plantadas aquelas árvores que apresentam as melhores condições de desenvolvimento.

No primeiro desbaste, aos seis anos, são retiradas as primeiras árvores, para garantir mais espaço para as que ficam. Deste desbaste, maior parte do abate é destinado para celulose ou produção de energia. No segundo desbaste, há um aproveitamento de 60% para serrarias e 40% para celulose e energia. No terceiro desbaste, aos 16 anos, 80% são destinados à indústria madeireira. No corte final, aos 20 anos, apenas 10% restam no terreno: as 200 melhores.

Programa de fomento leva informação ao produtor

Apesar de incentivar o cultivo de pinus na região para comprar a matéria-prima do seu produto, a Klabin exige dos seus produtores conformidade ambiental em função da sua certificação. Para isso, desenvolve um programa de fomento junto a produtores rurais da Serra Catarinense, que plantam 22 mil hectares, com apoio da ONG Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi).

O ambientalista Leandro Casanova diz que a ONG entende a importância econômica da atividade florestal e por isso se uniu a Klabin numa parceria que já dura três anos desenvolvendo um trabalho que contribuiu para o desenvolvimento sustentável da silvicultura na Serra.

- Quando se faz uma plantação de pinus, a lei exige áreas de preservação permanente, como próximo aos rios. O programa Matas Legais leva estas informações aos produtores e doa mudas de plantas nativas para promover a recuperação ambiental. A Apremavi já forneceu 280 mil mudas para o projeto - afirma.

Setor florestal é pioneiro em parceria ambiental

De acordo com Antunes, o setor florestal é pioneiro neste tipo de fomento que leva informações aos produtores ao mesmo tempo em que oferece uma opção de agregação de renda através de uma atividade econômica viável.

- Fomentamos o pequeno agricultor a continuar com suas atividades básicas na área agricultável e na área onde não faz nada plantar pinus. Orientamos também qual área precisa ser preservada. O resultado do programa foi tão bom em SC que estamos implantando também no Paraná - explica o diretor institucional da Klabin, Sadi Carlos de Oliveira.

Há dois anos no programa, Eliane Antunes, plantou pinus em sete hectares da sua propriedade rural no município de Palmeira. Através do trabalho da ONG, recebeu mais de mil mudas nativas, entre elas, cedro, arueira, araucária, araçá e gabiroda. Apesar do frio, muitas das mudas vingaram e já dão novos ares à propriedade de Eliane Antunes.

- Em cinco anos, esta floresta nativa estará desempenhando seu papel ecológico - conta Eliane.

Gateados é referência no manejo florestal

Empresa referência em reflorestamento pelas condições ímpares de manejo, a Florestal Gateados, tem, numa única área em Campo Belo do Sul e Capão Alto, 16,3 mil hectares de florestas, sendo 55% do terreno com mata nativa preservada. Nos 7,7 mil hectares plantados cultiva pinus com 27 anos de idade e se propõe a manter plantios com até 35, 36 anos, períodos muito superiores aos 20 anos com os quais normalmente são abatidos.

Além de pinus e eucalipto, a Florestal Gateados aposta em mais três espécies de coníferas, em 100 hectares de experimento, e araucária em outros 600 hectares. Segundo o diretor administrativo, Valdir Diehl Ribeiro, com 20 anos já é possível fazer o primeiro desbaste nas araucárias. Ele alerta que, no Brasil, isso pode ser considerado um período muito longo, mas em países europeus com vocação florestal, quem planta uma árvore sequer irá cortá-la, deixando a tarefa para a geração seguinte.

- Produzimos toras para madeira limpa, sem nós, para móveis classe A e molduras. Não raramente algumas toras atingem 42 centímetros de diâmetro. Enquanto a maioria dos produtores obtém de 600 a 700 quilos por árvore destinada à indústria de celulose, com abate aos 16 anos, na Florestal Gateados, o peso pode chegar a 2,5 toneladas. Este é o diferencial da empresa - explica.

Para tanto, os pinus da fazenda têm seus ramos retirados, num sistema de podas que impede a formação de nós na madeira. As melhores árvores são classificadas e em algumas áreas se consegue atingir crescimentos de 50 metros cúbicos por hectare por ano, quando o normal na região é de 30 a 35 metros cúbicos por hectare.

Na fazenda, 170 funcionários diretos e 120 indiretos, além de 70 transportadoras que levam a madeira cortada até os clientes, garantem a produção e transporte de 20 mil toneladas de madeira por mês, fornecidas para 30 empresas, a grande maioria da Serra Catarinense.

O vigia Vanderli Luiz Duarte, 40 anos, assegura a prevenção de incêndios, numa das quatro torres de vigilância da Florestal Gateados, de onde é possível avistar qualquer fumaça. A empresa tem todo o aparato para evitar que qualquer fogo provocado na vizinhança se alastre pelas plantações de pinus. A medida é necessária, uma vez que o seguro para a atividade é muito alto e inviabilizaria o negócio.

- Há oito anos aqui, nunca peguei um incêndio - conta o vigia.

Nos próximos oito anos, segundo o engenheiro florestal da Gateados, Mário Dobner Jr., a idéia é substituir 1,5 mil hectares de pinus por eucalipto para diversificar a atividade.

- A madeira do eucalipto é a melhor solução para substituir a madeira do Norte do país - diz.

Apesar da incerteza do futuro da atividade, em função da espera pela resolução do Conama sobre os campos de altitude, Ribeiro acredita que ainda há muito potencial para desenvolver a atividade florestal na Serra Catarinense.

- A área plantada representa apenas 6% do Estado de Santa Catarina. O que existe é uma concentração nos dois planaltos. Para se ter uma idéia, na Finlândia, 73% da economia gira em torno da cadeia florestal - compara.

Não há perda na cadeia da madeira

Depois que as fábricas de celulose já foram abastecidas com as toras mais finas, a cadeia florestal passa pelas serrarias e finalmente chega às indústrias moveleiras. Neste ínterim, as fábricas produzem resíduos de madeira, que são queimados para gerar energia, num ciclo virtuoso no qual nada se perde.

Na serraria Boa Esperança, em Capão Alto, são processados entre 2,5 mil e 2,75 mil metros cúbicos de madeira por mês. Segundo o diretor da empresa, Israel Marcon, este é o maior volume já operado dentro da serraria, apesar da queda que o setor registra.

- Conseguimos superar as dificuldades repassando no preço em dólar. Mesmo assim, não foi suficiente para recuperar o aumento dos insumos. O diesel subiu e aí reflete diretamente no frete - diz.

Marcon destaca, no entanto, que mesmo a desvalorização cambial não será suficiente para afetar a vocação econômica da Serra,vinculada ao setor florestal.

- Talvez haja uma mudança no perfil das empresas, focando o mercado interno, que ainda rejeita o pinus na construção civil. Isso deve ser mudado porque não há mais espaço para a madeira nativa ilegal da Amazônia - diz.

A Boa Esperança opera com 92 funcionários, onde já trabalharam 110 antes da queda do dólar.

Das serrarias, saem as madeiras cortadas para a indústria moveleira e construção civil. A costaneira retorna para as fábricas de celulose e os cavacos são vendidos para as usinas termelétricas.

Na Braspine, de Lages, são feitos componentes para móveis e cadeiras. Segundo o diretor da empresa, Vagner Renato Fornasari, são exportados dois contêineres de cadeiras por mês e 200 metros cúbicos de componentes para móveis vão para o mercado interno.

Ganho chega ao dobro da poupança

Apesar do setor madeireiro da Serra Catarinense ter sentido o baque da desvalorização cambial, a atividade, junto com a silvicultura, é responsável por uma das maiores movimentações financeiras na região. E as plantações de pinus rendem entre 11% a 14% ao ano, o dobro do rendimento da caderneta de poupança.

Segundo Giovani Pereira Arruda, secretário executivo do Sindimadeira, existem atualmente 241 empresas associadas ao sindicato e a cadeia da madeira é responsável por quase 5 mil empregos diretos. Já foram 265 associadas e 6,9 mil empregos, antes da desvalorização cambial.

- A queda ocorreu em função da economia global e da política cambial. O setor exportava 70% da produção, destes, 70% para os Estados Unidos. Com a desvalorização do dólar, houve uma queda drástica de receita. Muitas indústrias fecharam - lamenta.

Entretanto, Arruda ressalta que houve um ganho salarial de quase 10% no período. Enquanto, em 2006, o setor injetava R$ 3,3 milhões em salários na região, em 2008 este valor é de R$ 3,026 milhões. Considerando que quase dois mil postos de trabalho foram fechados no período, houve incremento na renda dos trabalhadores que permaneceram no setor.

- Temos municípios que dependem quase que exclusivamente da cadeia florestal, como Otacílio Costa e Correia Pinto. A Serra não pode prescindir da atividade. Até porque a rentabilidade de uma lavoura de pinus é de 11% a 14% ao ano, o dobro do rendimento da poupança - diz.

Fonte: Diário Catarinense

ITTO Sindimadeira_rs