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Notícias

08
jun
2008
(ECONOMIA)
Os donos do Uruguai

Quem são os proprietários da terra é segredo, mas sabe-se: em seis anos os estrangeiros possuem mais de quatro milhões de hectares.

Costuma-se dizer que os donos do Uruguai eram 500 famílias. Os nomes são conhecidos, tem dirigido o país desde o começo, e adquiriam grandes porções de terra, as vezes improdutivas. Se falava a metade do caminho entre mito e a realidade das 20.000 hectares dos Gallinal que atravessavam territórios e se perdiam no horizonte.

Hoje isso tem mudado. Não está claro se são mais ou menos de 500 famílias, mas o certo é que os donos do Uruguai agrícola-pecuária já estão começando a deixar de serem uruguaios. As 120.000 hectares que podem chegar a comprar de uma só vez, convertem em terreno aqueles latifúndios do século XX.

Em apenas seis anos, mais de quatro milhões de hectares uruguaias passaram a mãos de estrangeiros. Segundo cifras do Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca, entre janeiro de 2000 e junho de 2006 foram realizadas 14.148 operações de compra e venda de terras que movimentaram uns 2.325 milhões de dólares.

Comprar terras uruguaias passou a ser um negócio atrativo para muitos empresários, nacionais e estrangeiros. Em tempos de escassez de recursos, a agricultura profissional e a cria e abate de gado para exportação volta a competir em rentabilidade com o reflorestamento. O preço do hectare aumenta cada vez mais. Segundo o último informe da Direção de Estatísticas Agropecuária (DIEA) do Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca (MGAP), em 2000, a hectare em Soriano para plantar soja valia 400 dólares. Hoje vale em média uns 2.000 dólares e em algumas transações alcançou os 5.000 dólares.

O problema é que quem possui o nome dos donos das terras é somente o Ministério da Pecuária. Com o ex-ministro José Mujica e com o atual, Ernesto Agazzi, essa carteira tomou o "problema da cedencia da terra e a extração do solo" como um dos temas prioritários a resolver durante a gestão.

Várias vezes, Mujica disse que o país estava rengo na política de terras e que seria um dos principais pontos que atacaria na volta ao Parlamento. Sem um registro dos donos de terra, o MGAP encarregou o trabalho a seus técnicos. Pela primeira vez se está elaborando uma lista dos proprietários dos estabelecimentos uruguaios. Para isso se aprovou no Parlamento, a instância do senador Jorge Saravia de Espacio 609, a lei 18.092 que obriga a partir de janeiro de 2007 as sociedades anônimas proprietárias das terras converte-se em Sociedades Anônimas nominativas. Em dois anos, todos os donos de campos e terrenos no Uruguai devem ter nome e sobrenome. Hoje são várias as sociedades anônimas que esclareceram sua situação.

Por hora, a informação sobre quem são os estrangeiros que compram no Uruguai segue sendo "um segredo de Estado", disse um operador rural que preferiu o anonimato.

E cada vez mais aumenta os grupos de investidores que apostam na compra de terra uruguaia, já se especulam com o aumento dos preços da terra, ou como forma de investimento a médio e longo prazo.

Assim pensa Ernesto Correa, um dos mais poderosos empresários brasileiros, e hoje um dos poucos estrangeiros conhecidos com terras no Uruguai. Dono de vários hectares em Rio Grande, proprietário da Ana Paula, uma das fazendas maiores do estado, Correa se cansou do Movimento Sem Terra que ocupou seu estabelecimento. Decidiu vender tudo o que tinha e comprar no Uruguai. Hoje tem mais de 100.000 hectares e sua nova estância Ana Paula é a mais importante de Cerro Largo. Em 2002, Correa decidiu capitalizar o frigorífico PUL com sete milhões de dólares e comprou 75% de suas ações. Esse ano se converteu no maior cliente exportador do Banco República. Um ano antes havia sido distinguido como o maior exportador da indústria frigorífica nacional. Correa hoje está vinculado a safra de arroz e algumas versões asseguram que é um dos acionistas da cadeia de sapatos estadunidense Nine West. Vive em sua estância no Uruguai, viajando a São Paulo e aos Estados Unidos.

Como são vários os estrangeiros que elegeram as terras uruguaias como uma nova oportunidade de investimento o problema é que por hora preferem o anonimato. Alguns são particulares que vem, se instalando e trabalhando em seu próprio terreno, ou simplesmente compram as terras e dispõe de um administrador local. Outras são multinacionais que decidem capitalizar empresas uruguaias ou associar-se com elas. No caso do Correa é um dos poucos com nome e sobrenome. Se fala do dono de uma cadeia de supermercados na Grã Bretanha, que haveria comprado mais de 100.000 hectares em Salto contra o rio Uruguai, porém poucos se animam a confirmar as suspeitas.

Em mãos estrangeiras está quase um quarto da superfície do país. No mesmo informe da DIEA cita que Colonia foi o departamento com mais movimento de compra e venda. Em Paysandú, foi vendida a maior porção de terra: 411.000 hectares, 30% das terras de uso agropecuário desse departamento. Quase a metade das vendas de terras entre 2000 e 2006 foi ao norte do Rio Negro: em Paysandú, Tacuarembó, Salto e Cerro Largo vendeu 1.700.000 hectares. Ali estão às terras mais rendáveis e mais produtivas.

O empresário imobiliário Omar Buzó, entende que 35%, uns 80.000 hectares, dos campos de Rio Negro estão em mãos de estrangeiros. "Fundamentalmente são argentinos, mas também tem compradores brasileiros, holandeses, belgas, franceses e estadunidenses", enumeram Buzó. Outro operador, que preferiu o anonimato, disse que, devido à crise agropecuária na Argentina, "nos últimos oito dias, as consultas se dão em um número que realmente impressiona". O fenômeno de investimentos argentinos também se da em Paysandú, onde só um intermediário vendeu a semana passada três estabelecimentos de 900 hectares cada um, disseram fontes imobiliárias sanduceras. Ali também se da outro fenômeno: argentinos que chegam em busca de estabelecimentos mais pequenos, entre 200 e 300 hectares, com a intenção de trabalhar e radicar-se no lugar.

Em Lavalleja PGG Wrightson, o mesmo grupo neo-holandês que também adquiriu campos em Rocha e no Litoral, comprou em seis meses 6000 hectares que se destinaram a exploração leiteira. Nesse lugar se projeta um investimento de vários milhões de dólares para obter uma produção diária aproximada a 20.000 litros de leite. Ali trabalham umas 150 pessoas que vivem em forma quase permanente no prédio. Além dos investimentos em instalações onde se destaca uma ampla rede interna de caminería, embutida no estabelecimento em parcelas de no máximo 10 hectares, sistema de água encanada em cada potreiro, estão construídas casas para o pessoal e uma escola para que os filhos dos empregados tenham uma educação de acordo. O projeto escolar estabelecido pela empresa inclui formação em informática e inglês.

Em 1987 quando entrou em vigência a lei 15.939 de promoção florestal, havia apenas 25.000 hectares plantados em rubro. Vinte anos depois as compras de terras aumentaram, especialmente para a produção de celulose. De quase quatro milhões de hectares dispostas pela MGAP como de prioridade florestal, já quase um milhão se encontram plantadas e mais de 50% pertencem a empresas estrangeiras: a finlandesa Botnia, a estadunidense Weyerhaeuser, a espanhola ENCE e a sueca finlandesa Stora Enzo, entre outras.

Soja e algo mais.

No auge da venda de terras, sobrevive um aumento de empresas ou produtores que se dedicaram a agricultura profissional. As retrações na Argentina, a estabilidade econômica, a necessidade de diversificação e, sobretudo, o preço da terra são algumas das variáveis que inclinam o negócio no Uruguai a favor da região.

Denominada por alguns como um mono cultivo agressivo e citada por outros por sua facilidade de plantação e seus altos preços de venda, a soja é um dos principais cultivos no litoral do país. E os argentinos os principais produtores estrangeiros. Segundo dados do MGAP, chegam ser plantados mais de 200.000 hectares e produzem entre 20% e 25 % do total da agricultura nacional. A chegada dos argentinos sacudiu o mercado local. Em 2002 havia apenas plantadas umas 40.000 hectares. Nos últimos seis anos, a produção de soja no Uruguai se multiplicou por dez e hoje tem quase 400.000 hectares dedicados a este cultivo. No ano passado a colheita alcançou as 700.000 toneladas.

Porém a soja, não é o único cultivo. Nem é o mais rentável. Também se dedicaram a plantar trigo, girassol e cevada no Rio Negro, Soriano, Paysandú, Durazno y Colonia. Alguns compram outros arrendam as terras a pequenos produtores, endividados ou sem perspectivas de crescimento. Em certas ocasiões pagam mais do dobro do que vale a terra. Enquanto que arrendar um hectare para tambo paga 70 dólares, para soja alcança os 180. O produtor não tem como negar, trabalha com sua maquinaria, não é desalojado e tem para viver. Comprar também é um negócio. Enquanto que as terras uruguaias estão cotadas entre 2.000 e 5.000 dólares a hectare, as melhores terras argentinas para plantar soja alcançam os 10.000 dólares a hectare.

Vários pools ou grupos empresariais argentinos desembarcaram no negócio da agricultura no Uruguai há vários anos. Em Durazno, fontes da Sociedade Rural desse departamento asseguraram que o processo de venda de terra está se acelerando.

Particulares, multinacionais ou empresários estrangeiros compram terras que se revalorizaram como forma de investimento. Porém o arrendamento para a agricultura é o que mais surpreende aos duraznenses.

O Tejar, o grupo estrangeiro com mais extensão de terras dedicadas a soja, trigo, cevada, milho e girassol é uma das empresas que mais presença tem em Durazno. Chegou ao país há seis anos. Primeiro arrendaram terras no início de 2002; em 2006 decidiram comprar. Hoje trabalham 104 pessoas de forma direta e quase 700 de forma indireta em 46.000 hectares em Durazno, Flores, Colonia, Soriano, Rio Negro, Paysandú, Rivera, Tacuarembó e Cerro Largo. Em torno de 30% são próprias e o resto arrendadas a produtores. Além disso, possui projetos de criação de gado.

O Grobo, é o principal grupo sojeiro argentino, também chegou ao país. Associou-se com o empresário uruguaio Marcos Guigou e no Uruguai se chama Agronegócios del Plata. Chegam 40.000 hectares plantados em Soriano, Paysandú e Río Negro anunciam ampliar este ano.

Em 2002 desembarcou o Grupo Ceres Tolvas, um conglomerado argentino com 30 anos de experiência no sudeste do país e a província de Entre Rios. No Uruguai explora 5.000 hectares e tem o assessoramento de outras 1200 hectares de terceiros para a produção de soja, trigo milho e girassol. MSU se dedica a plantação de soja, trigo e milho já chegou semear 16.000 hectares em Flores, Soriano Paysandú e Rio Negro. Calyx Agro, de capital argentino e acionista da multinacional Louis Dreyfus também contam com terras uruguaias.

Em meio aos segredos oficiais sobre a quem pertencem às terras, todo o terreno cultivável parece estar a venda. Os donos do Uruguai cada vez falam menos o espanhol.

As empresas por detrás das terras

Forestal oriental. Empresa de Botnia com plantação de eucaliptos em Lavalleja, Tacuarembó, Paysandú, Soriano e Rio Negro. Em meados de 2007, tinha quase 160.000 hectares próprios.
Eufores. De Ence. Tem uns 127.000 hectares florestadas em Rio Negro, Soriano, Lavalleja, Rocha e Paysandú.

Weyerhaeuser. Chega 150.000 hectares florestadas de pinus e eucalipto em Rivera, Tacuarembó, Cerro Largo, Treinta e Tres e Paysandú.

Stora enso. Comprou 45.000 hectares e necessita de mais de 120.000 hectares de eucalipto.
Grupo otegui. Em 2003 tinha mais de 50.000 hectares.

Soja cada vez mais argentina
No Uruguai tem 200.000 hectares plantadas com soja argentina. Elas somam entre 20 e 25% da agricultura nacional. Em seis anos a soja se multiplicou por seis: tem 400.000 hectares dedicados ao cultivo.

Brasil entra nos frigoríficos
Investimentos brasileiros em frigoríficos uruguaios preocupam o governo. O grupo Marfrig realiza 40% do serviço nacional. Ante isto, anunciou que o preço da carne será controlado.

Florestamento aumentou
Em 20 anos, o florestamento cresceu 600%. Em 1987, apenas havia plantados umas 25.000 hectares no país. Hoje, empresas estrangeiras como Botnia, Stora Enso, Ence e Weyerhaeuser possuem 50% da superfície florestada, o que equivale a mais de meio milhão de hectares.

Quanto paga a terra
Arrendar uma hectare para colocar um tambo paga em média uns 70 dólares. Plantar soja paga 180 dólares, também em média. As melhores terras uruguaias para a agricultura estão cotadas em 5.000 dólares por hectare. As argentinas alcançam os 10.000 dólares por hectare.

Arroz atrai interesses
A safra 2006 - 2007 produziu 1.415.000 toneladas de arroz com casca. Fontes do setor asseguram que são empresários estrangeiros (brasileiros) os que investem na produção. A venda de SAMAN a empresa CAMIL, de capital brasileiro, foi o inicio.

Estrangeiros pela carne e o leite
A indústria frigorífica e a de laticínios uruguaia se viram revitalizadas pelos investimentos estrangeiros. Do Brasil chegaram os interessados nos frigoríficos. A capitalização de PUL por parte do brasileiro Correa se soma a compra do grupo Bertin, com sede em São Paulo, do Frigorífico Canelones. Marfrig, outro grupo brasileiro comprou os frigoríficos Colonia, Tacuarembó e San José e a estância La Caballada em Salto. Mais de 40% da carne nacional está em suas mãos. Nos laticínios, outros cariocas arrebataram a Bom Gosto, anunciou investimentos na fábrica de leite longa vida. O maior grupo investidor será neozelandês. a empresa PGG Wrightson que anunciou um investimento de 200 milhões de dólares na produção de leite.

Leis da terra
"Há de eliminar o ocultamento da propriedade da terra. ¿Como se explora, quem a explora e em que direção se explora?" se pergunta o senador do Espacio 609 Jorge Saravia. Propulsor da legislação que "branqueia" a tendência da terra, Saravia prepara outros projetos. Porém o tema não é fácil. A lei que obriga as sociedades anônimas a converter-se em nominativas gerou polêmica entre o governo e representantes de grandes proprietários de terras.

O texto aprovado havia deixado vazios legais que deverão regulamentar-se pelo Poder Executivo. Algumas Sociedades Anônimas haviam realizado "manobras" pelas quais novas Sociedades de Responsabilidade Limitada incluíam como titulares as antigas Sociedades Anônimas ao portador. Seguia sem saber quem eram os verdadeiros donos. Estão isentas os investimentos florestais já instalados no país (Botnia por exemplo) e as administradoras de fundos de poupança provisional nacional e estrangeiro que coteciem na Bolsa. Estas empresas deveram demonstrar que investem em tecnologia, desenvolvimento e utilizam mão-de-obra nacional, entre outros requisitos. Saravia e o MPP vão propor mais e discutem uma lei de fronteira que proibia a compra de terras nos limites do país.

Fonte: Diaro El País/Forestalweb/Remade

ITTO Sindimadeira_rs