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Notícias

03
dez
2009
(BIOENERGIA)
Ambiente-EUA: Uma fábrica de papel em busca autonomia energética
Pode uma fábrica de papel sobreviver sem o uso de combustíveis fósseis e ter um impacto neutro de carbono? A resposta está nesta pequena localidade do Estado de Wisconsin, nos Estados Unidos, onde uma fábrica foi resgatada e funciona com biomassa. A reconversão para combustíveis verdes da empresa Flambeau River Papers estará acompanhada da construção de uma biorefinaria, o que constitui todo um enorme desafio nestes tempos de crise financeira global.

As fábricas de papel são a principal indústria do densamente florestado Estado de Wisconsin desde o século XIX. Mas a recessão e os altos custos energéticos forçaram o fechamento das menores, o que devastou a economia de localidades como Park Falls, onde esta indústria empregava 310 de seus quase três mil habitantes. Quando William Johnson comprou, em 2006, uma das fábricas em bancarrota tinha claro que para ela se tornar viável deveria reduzir os custos energéticos.

Seu plano de fazê-la funcionar com biomassa oriunda de resíduos da própria fábrica e de restos de madeira procedentes do corte lhe permitiu ser beneficiado com um empréstimo governamental de US$ 2 milhões, a juros baixos, e de outra quantia igual para reabastecer a fábrica e fazer os reparos necessários. Johnson tentara antes obter crédito comercial, mas só conseguiu uma oferta de US$ 4 milhões de uma empresa de capital de risco com alta taxa de juros.

“Projetamos devolver o empréstimo no prazo de sete a oito anos”, disse, acrescentando que “a maioria dos investidores quer recuperar seu capital entre três e cinco anos. Como bom republicano, tive de justificar diante de mim mesmo que estaria indo contra meus princípios e aceitar empréstimo do Estado”, disse Johnson. “Mas a Universidade de Wisconsin, na cidade de Duluth, fez um estudo de impacto econômico e concluiu que se tratava de um plano positivo e pôs uma equipe a trabalhar”, acrescentou.

Em sua infância, Johnson passou seis anos em Park Falls, onde seu pai tinha uma empresa de vara de pescar. Conhecia muitas das pessoas que trabalhavam na fábrica, construída em 1984. De fato, uma das máquinas que ainda operam atualmente funciona desde 1895. Nos últimos anos a empresa madeireira de sua família forneceu polpa de celulose à Flambeau River Papers, por isso Johnson também tinha um interesse econômico em reerguer a fábrica. Felizmente, não foi preciso reconverter a antiga caldeira para que funcionasse com biomassa, mas foi preciso resolver muitos detalhes técnicos.

Um passo fundamental foi o armazenamento de restos de madeira para que secasse ao ar livre, entre abril e outubro, antes de poderem ser transformadas em pequenas esferas que servem de combustível. Assim, foi possível economizar a energia que seria necessária para retirar sua umidade. Alimentada com 500 toneladas de matéria orgânica por dia, a velha caldeira já não precisa de combustíveis fósseis no verão. A necessidade de esquentar as instalações no inverno obrigou a recorrer às reservas de carvão que a fábrica possuía e que acabaram em outubro deste ano.

O baixo custo atual do gás natural permite usá-lo para aquecer o ambiente nos longos meses de frio, mas o plano é deixar de utilizar combustíveis derivados de petróleo em 2012. Com a redução no uso de combustíveis fósseis, as emissões anuais de dióxido de carbono da fábrica caíram cerca de 92 mil toneladas, aproximadamente 30% em relação ao começo da nova gestão. Trata-se de cálculos feitos com base em dados do Departamento de Energia de Wisconsin e da Agência Federal de Proteção Ambiental.

Outro ponto-chave da recuperação da fábrica foi a relação de Johnson com os trabalhadores, que estavam há seis meses sem trabalho devido ao seu fechamento. Todos foram contratados sem redução de salários nem de benefícios e, em troca, o empresário lhes pediu que o ajudassem e melhorar a eficiência e reduzir custos. “Não tinha nem ideia de como fazer papel”, contou Johnson. “Conversei com o sindicato e me prometeram que da fabricação do papel eles cuidariam”. Graças às melhorias recomendadas pelos próprios empregados e à reconversão à biomassa, a fábrica economiza US$ 10 milhões ao ano em combustíveis. Johnson espera reduzir entre US$ 3,5 milhões e US$ 4 milhões adicionais nos próximos três anos.

O começo foi difícil. “No primeiro ano perdemos muito dinheiro, US$ 12 milhões. Em 2008, bem menos, US$ 2 milhões. Este ano, finalmente, ganharemos US$ 2 milhões”, disse o empresário. “Entre todos movimentamos um trem”, disse com segurança. O próximo passo será a construção de uma refinaria que utilize o chamado processo Fischer-Tropsch de segunda geração, que permitirá transformar em biodiesel e cera verde cerca de mil toneladas diárias da biomassa de madeira usada na caldeira. O biodiesel será vendido como elemento de mistura do combustível utilizado por aviões e caminhões. A cera verde servirá para impermeabilizar papelão ou fabricar velas, e assim substituir a que atualmente é importada e elaborada a partir de combustíveis fósseis.

O calor originado pelo processo Fischer-Tropsch permitirá contar com eletricidade, vapor e água quente que a fábrica precisa para seu funcionamento. Uma refinaria independente implicaria liberar o excesso de calor na atmosfera por meio de torres de esfriamento ou jogando no rio. Mas, se for reutilizada na produção de papel pode-se aumentar a eficiência térmica da fábrica de 47% para cerca de 70%. O carvão liberado pela biomassa será capturado e vendido a uma fábrica da região que elabora carbonato de cálcio, um derivado da cal usado como revestimento do papel produzido pela fábrica, o que o converte em um verdadeiro sumidouro de carbono.

Flambeau River Biofuels patrocinou um projeto-piloto no Southern Research Institute, no Estado da Carolina do Norte, para testar o processo da biorefinaria que será usada em Park Falls. “Necessitamos de US$ 270 milhões para construir a biorefinaria”, disse Johnson. “Trabalhamos com os departamentos de Agricultura e de Energia sobre as garantias dos empréstimos. É uma nova tecnologia que traz consigo um fator de risco. O investidor médio não põe dinheiro nestes projetos, mas confiamos em atraí-los, se o governo garantir uma parte”, explicou.

A previsão é que a refinaria comece a ser construída em 2012 e esteja plenamente operacional no ano seguinte. Johnson está orgulhoso de ver seu negócio marcar o caminho da sustentabilidade. “Podemos ser um exemplo do que é possível fazer com uma velha fábrica de papel que compete em uma época difícil e o faz de forma correta”, afirmou.

* Este artigo é parte integrante de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (www.complusalliance.org).

Fonte: Envolverde/IPS/IFEJ

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