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Notícias

04
ago
2009
(DESMATAMENTO)
Amargo avanço ambiental
Município apontado como o que mais devastou a Amazônia em 2008 tem 90% de queda no desmate, mas se afundou na crise.

Uma mistura de esperança e sofrimento paira entre o povo de Marcelândia (a 715 quilômetros de Cuiabá). A cidade que cresceu conivente com crimes ambientais para a exploração de madeira sofre para se recuperar da crise que acompanhou o título de maior desmatadora da Floresta Amazônica em 2008. A alardeada redução superior a 90% da devastação no município neste ano parece ter custado caro à população que, no marasmo da cidade, deixa evidente os sinais do desemprego, do abandono e da fome que ali chegaram com o ranking do desmate e com a Operação Arco de Fogo, especialmente criada para combate à exploração ilegal da mata.

Colônias de casas vazias, serrarias fechadas na via principal e ruas praticamente desertas contrastam com o passado dali, onde o movimento das carretas começava antes do nascer do sol. Mais de 100 caminhões abarrotados de toras deixavam a cidade todos os dias, na década de 90.

Uma fartura que não chegaria ao fim. Engano. Com o sentimento de desbravador mais forte do que o de destruidores, o povo se sente traído pelo país que ajudou a construir, ou para alguns, destruir.

É numa modesta casa de madeira, no pátio de uma serraria abandonada na MT-320, que corta Marcelândia, que sobrevive Josuel de Souza Vieira. Dos 27 anos de vida, 16 ele passou ali, trabalhando na madeireira. “A empresa não fechava. Saiam os funcionários de um turno e entravam o do outro”, relembra os anos de intensa produção, antes da falência dos patrões, há pouco mais de um ano.

No extenso terreno que hoje abriga a casa de Josuel, onde ele mora de favor, existem mais seis outras moradias abandonadas. Foram as que restaram de 27 já construídas no local e fornecidas pela empresa aos funcionários. “Com o desemprego, o pessoal foi embora para o Maranhão, para o Piauí, para onde tem como trabalhar”, conta.

Prestes a passar fome, o desempregado achou uma nova ocupação há algumas semanas. Reforma bicicletas velhas para revender. Ganha em cada uma delas cerca de R$ 50. “Se não fosse isso, com uma ajuda de custo que o dono do terreno me dá para cuidar daqui, eu estaria passando fome”, diz.

Não é raro encontrar pelas ruas histórias semelhantes à de Josuel. A turbulência que começou com a Operação Curupira em 2005, ano em que 668 pessoas foram demitidas na cidade, se agravou com a Operação Arco de Fogo, deflagrada em fevereiro do ano passado. Estimativas extra-oficiais contabilizam uma retirada de cerca de três mil pessoas desde a ofensiva da Polícia Federal.

A cidade, que já chegou a ter 150 madeireiras, hoje contabiliza 42, das quais quatro foram fechadas do ano passado para cá por falta de crédito ou de plano de manejo, segundo a Associação da Indústria Madeireira de Marcelândia. Já numa estimativa mais abrangente, o Sindicato dos Madeireiros do Norte do Estado (Sindusmad) avalia que de cinco mil empregados no setor na região, em 2007, caíram para menos de três mil, em 2009.

O reflexo da emigração e da falta de oportunidades não é perceptível apenas nas ruas, atingiu também as escolas da cidade. Um levantamento da prefeitura de Marcelândia mostra que de 4.068 alunos matriculados no ensino fundamental, em 2004, ficaram 3.114, em 2008.

Queda gradativa que atingiu picos nos períodos de intensificação da repressão contra crimes ambientais. Na tentativa de reduzir os piores índices de desmatamento do país, a Operação Arco de Fogo conseguiu, em pouco mais de um ano da ação, que é contínua, embargar 70 serrarias irregulares em Mato Grosso, Rondônia e Pará. Em Mato Grosso, 62 pessoas foram presas durante a operação e 47 inquéritos policiais, instaurados, segundo a Polícia Federal.

A primeira grande operação de combate à devastação na Floresta Amazônica parece estar começando a abalar a estrutura dos que financiam as práticas ilegais e atingindo o resultado esperado. Foi em Marcelândia, que ocupava o topo das 36 cidades apontadas pelo Ministério do Meio Ambiente como as grandes destruidoras do bioma, que houve uma das maiores reduções do período.

Enquanto em 2007 o município desmatou 179 quilômetros quadrados da Amazônia, os registros indicaram 10 quilômetros quadrados em 2008. Já este ano, as taxas atingiram apenas 0,17 quilômetros quadrados. A queda expressiva foi uma vitória ambiental que, no aspecto social, não parece ser comemorada pelos que dependiam da clandestinidade para sobreviver. “A gente cresceu fazendo as coisas assim, erradas. Agora não sabemos o que fazer, espero que melhore logo”, fala Josuel.

Fonte: Diário de Cuiabá

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