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03
ago
2009
(BIOENERGIA)
Crise econômica acentua concentração da indústria do etanol
De janeiro de 2007 a junho deste ano, o Brasil recebeu mais de US$ 3,5 bilhões de investimentos estrangeiros diretos para produção de derivados de petróleo e de biocombustíveis. Segundo o Banco Central (BC), a maior parte dos recursos (US$ 3,1 bilhões, 90% do total) foi aplicada em investimentos na indústria do etanol.

Desde meados desta década, os estrangeiros estão investindo na construção de usinas e aquisição de indústrias para produção de etanol e na compra de terras para plantio de cana-de-açúcar.

De acordo com a professora Míriam Piedade Bacchi, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), ligada à USP), isso ocorreu num momento de euforia, de preços muito bons para o setor. "Isso atraiu o capital estrangeiro diretamente comprando usinas ou parte de usinas ou através de fundos que também são acionistas de algumas usinas."

A falta de crédito causada pela crise financeira mundial acentuou a tendência de internacionalização, aponta José Ricardo Severo, assessor técnico da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Severo disse que 50 usinas (em um universo de 417 unidades) estão em negociação para venda a estrangeiros. A participação estrangeira no setor cresceu em cinco anos de 5% a 13%.

"Muitas empresas, por falta de capital de giro, de recurso e de financiamento, estão vendendo álcool a preço muito baixo. Isso vai se transformando em uma bola de neve, com as indústrias entrando em um circuito de endividamento. Vai chegar um momento em que vão ficar sem capital e sem ter como funcionar. Quem está tendo dinheiro hoje são as empresas internacionais", afirmou Severo. Ele ressalta que o capital estrangeiro está preferindo comprar usinas a investir na montagem de novas unidades.

Severo considera positiva a entrada de capital, mas teme que a presença estrangeira afete a competitividade nacional. O processo de internacionalização guarda relação com a tendência à concentração do setor, observa. o assessor da CNA. Grupos estrangeiros como Bunge, Cargil, Dreiffus, ADM e Geres estão comprando usinas brasileiras com problemas de crédito.

"As usinas que estão bem estão comprando outras, e as que estão quebradas têm dificuldade de tocar a vida para a frente e serão vendidas ou quebrarão", afirma o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que preside o Conselho do Agronegócio da Federação das Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp).

Já o diretor de Imprensa e Comunicação da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil(CTB) , Carlos Rogério de Carvalho Nune, destaca que o fenômeno de concentração do setor de álcool e açúcar "é histórico". Nunes disse temer que a concentração diminua postos de trabalho, com uso mais intenso de maquinário, e liquide os pequenos produtores sem competitividade da indústria de grande escala.

"A escala é um fator determinante da renda. A pequena indústria de etanol não é rentável como a grande indústria", ressalta Roberto Rodrigues. No entanto, o ex-ministro admitiu que "tem havido melhorias significativas de tecnologia, permitindo avanços na área de destilarias, que são cada vez mais rentáveis para pequenos produtores, que podem se organizar em cooperativas".

A professora Míriam Bacchi aponta vantagens e desvantagens no processo de concentração: "Por um lado, [o processo] pode levar à redução de custos com a economia de escala e a economia de escopo [administração única]. Por outro lado, a concentração pode levar a um maior poder do mercado e preços maiores". Ela não acredita que a internacionalização favoreça diretamente o que chamou de "comoditização" do etanol no mercado externo, mas vê vantagens na entrada de capital estrangeiro para crescimento do setor. Commodities são produtos negociados em bolsas de valores com cotação internacional.

Pequenos produtores sofrem mais com a crise

Começou em Agudos, no interior paulista, a sexta edição da Agrifam, feira de agricultura familiar promovida pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo (Fetaesp). Nela, uma miniusina estará produzindo etanol e cachaça para que os pequenos fornecedores (produtores) da cana-de-açúcar conheçam a tecnologia.

Segundo o presidente da Fetaesp, Braz Albertini, os pequenos produtores deveriam vender o produto acabado. A apropriação da tecnologia de produção final pelos pequenos agricultores poderia ser um alívio para fornecedores que estão, como se diz no mercado de etanol, "entregando" a cana às usinas a um preço que chega a ser 30% abaixo dos custos de produção.

"A crise é dramática", assinala Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e hoje presidente do Conselho do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "Os pequenos fornecedores estão no começo da cadeia produtiva do álcool e do açúcar que sofre consequências da crise econômica, que acelera o processo de concentração e internacionalização da indústria de etanol. As usinas com dificuldade passaram a não pagar o produtor independente de cana, mas o fornecedor de cana não tem para quem passar o problema".

Os pequenos produtores são responsáveis por 30% da cana-de-açúcar fornecida no Brasil. Muitos são agricultores familiares. Em Pernambuco, por exemplo, os pequenos fornecedores são responsáveis por 34% da cana produzida, 96% desses são agricultores familiares, informa José Ricardo Severo, assessor técnico da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Segundo Severo, membro da Comissão Nacional de Cana-de-Açúcar da CNA, a situação exige política específica para o setor. "Não temos uma política, desde o consumidor até o produtor, que mantenha a cadeia saudável, que melhore o relacionamento da unidade industrial com as distribuidoras de combustíveis e também da indústria com seus fornecedores de cana", avalia o assessor técnico, que prega a necessidade de garantia de preços mínimos (como ocorre na soja e no milho).

"Temos o discurso, mas não temos o recurso. Nem o governo nem o setor privado têm estratégia", reconhece Roberto Rodrigues, que aponta a necessidade de uma política que trate do fluxo de produção, modelo de negócio, logística, estocagem, zoneamento, financiamento, treinamento da mão de obra e trato da questão ambiental. "Tem um conjunto enorme de medidas que estão pulverizadas entre os órgãos do governo, 12 ministérios, além Embrapa e Petrobras. Não há coordenação", reclama.

Fonte: Agência Brasil

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