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Notícias

26
jun
2008
(MÓVEIS)
Indústria moveleira agoniza

O maior pólo exportador de móveis do país, localizado em São Bento do Sul, Norte de SC, vê as suas estruturas ruírem no terceiro ano de uma crise deflagrada pela desvalorização do dólar.

Mais caro no exterior, o produto catarinense não é páreo para o baixo custo daqueles fabricados na China, o que derrubou as exportações e compromete a sobrevivência de indústrias quase centenárias.

No dia-a-dia da cidade, a população descobre na prática os efeitos da recessão. Cerca de 2 mil vagas de emprego foram fechadas e a falta de trabalho começa a expulsar parte de seus 73 mil habitantes.

A Indústrias Zipperer, mais antiga fábrica de móveis da região, fechou as portas a três semanas de completar 85 anos. No dia 25 de abril, a direção da empresa, composta pela terceira geração da família fundadora, reuniu, no pátio da fábrica, os 75 operários - que eram 320 há três anos - para comunicar o encerramento das atividades.

A Zipperer não resistiu às perdas causadas pela desvalorização do dólar, que derrubou os rendimentos da empresa, concentrados 95% no mercado externo. O faturamento, mantido em US$ 6,5 milhões entre 2003 e 2006, despencou 46%, para US$ 3,5 milhões no ano passado.

Essas perdas, ao serem convertidas para a moeda nacional, amplificam-se: do pico de aproximadamente R$ 20 milhões, o faturamento caiu para o patamar de R$ 7 milhões.

- Paramos enquanto tínhamos condições de arcar com nossas dívidas - afirma o diretor Carlos Alexandre Zschoerper, caminhando no silencioso galpão da fábrica entre as poucas máquinas que restaram, todas desligadas.

Das grandes, a empresa foi a única a encerrar as atividades completamente, mas a maioria das fábricas da região registrou severas retrações devido às perdas com o dólar, cuja cotação despencou de R$ 3,60 para R$ 1,60 em cinco anos.

São Bento do Sul é acompanhado em sua posição de maior pólo exportador de móveis do Brasil pelos municípios vizinhos de Campo Alegre e Rio Negrinho. Nas três cidades, que juntas formam a região do Alto Vale do Rio Negro, o setor de madeira e móveis soma cerca de 450 estabelecimentos, voltados quase integralmente à exportação.

As perdas em dólar, com a manutenção dos contratos firmados com os clientes no exterior, significaram para as fábricas da região ainda menos dinheiro em real, com que pagam os seus fornecedores e empregados. Enquanto que na moeda americana as exportações da região caíram de US$ 335 milhões, em 2005, auge dos negócios no setor, para US$ 286 milhões no ano passado, convertido para o real, o tombo foi ainda pior: queda de R$ 815 milhões para R$ 559 milhões.

Foco no mercado nacional é complicado

O faturamento menor significou o encolhimento de grandes empresas. A Intercontinental e a Neumann teriam cortado linhas de produção, mantendo apenas as que fabricam peças vendidas no mercado interno.

Voltar-se aos clientes nacionais, no entanto, não é uma opção simples. A fábrica do Alto Vale do Rio Negro acostumou-se a produzir peças para vender no exterior, feitas com madeira maciças, mais nobres e mais caras. Os móveis com maior aceitação entre os consumidores brasileiros, por outro lado, são mais baratos, fabricados com aglomerado de madeira.

A solução mais indicada pelos que se mantêm fortes é o corte de custos por meio da reestruturação das fábricas. Os processos produtivos estão sendo otimizado, com redução de desperdícios, melhor aproveitamento da matéria-prima, renegociação com fornecedores e cortes no quadro pessoal, como indica o vice-presidente da Federação das Indústrias de SC (Fiesc) na região, Arnaldo Huebl.

Na fábrica que comanda a Móveis Weihermann, ele obteve até aumento do faturamento durante a crise. Em dólar, a receita do último ano subiu 14%, caindo apenas 9% em real. Para este ano, Huebl projeta crescimento de 27% na moeda estrangeira.

A reestruturação das empresas, por outro lado, representou o fim do emprego na fábrica Artefama para o operário Marcos Balbinoti. Supervisor de corte de madeira, o seu setor acabou unido ao de colagem da madeira, o que significou a eliminação da vaga. Na semana seguinte à sua dispensa, em meados de maio, foi a vez da mulher, Adriana, demitida da área de controle de qualidade de outra fábrica.

Em seus seis anos na Artefama, Marcos começou no posto de auxiliar da produção e avançou por mais dois cargos até alcançar a posição de supervisor. Aos 32 anos, a formação que adquiriu com cursos e a experiência na fábrica estimularam-no a procurar algum cargo à altura das necessidades de sustentar a mulher e a filha de quatro anos. Marcos preencheu fichas nas agências de emprego, mas até agora nada.

O tempo que espera pela reposição já é maior do que o que teve de aguardar quando chegou a São Bento do Sul. Em janeiro de 2002, mudou-se para a cidade vinda de Francisco Beltrão, no Paraná, onde acabara de casar. O convite partiu do cunhado, que já trabalhava em uma fábrica são-bentense. No mês seguinte, Marcos estava empregado.

Com a poupança que possuía, ele começou a construir a casa e a finalizou com o dinheiro do novo emprego. O salário também lhe rendeu a compra de um Pálio 0km, ano 2004, modelo 2005, que quitou no final do ano passado. Pelos bens acumulados e a casa própria, Marcos diz que pensa duas vezes antes de largar tudo e recomeçar em outra cidade.

Crise fez com que mil migrassem

A migração para municípios vizinhos foi a alternativa para cerca de 4 mil pessoas da região desde o início da crise. Com o setor automobilístico aquecido no país, metalúrgicas e fábricas de peças de Joinville, Jaraguá do Sul e Blumenau têm absorvido a mão-de-obra. Muitos desses migrantes são reincidentes, já que um dia também chegaram a São Bento do Sul de outras regiões, atraídos pela então aquecida indústria moveleira.

O êxodo dos desempregados configura-se em um dos fatores a colaborar pela preservação da organização e capricho germânico característico da cidade. As ruas continuam com os seus parquímetros e meios-fios reluzindo a tinta nova e canteiros e fachadas em ordem, sem vestígios da mendicância ou violência que uma recessão poderia trazer.

Na casa de Marcos tudo também continua em ordem, apesar de faltar uma pintura para o muro e a construção da calçada, coisas que pretendia fazer com os próximos salários.

Enquanto não consegue uma nova vaga nem decide deixar a cidade, ele passa os dias inquieto em casa. Em plena tarde de uma terça-feira, assistia na ponta do sofá à partida entre Espanha e Rússia pela Eurocopa, algo impensável para quem até pouco tempo atrás cumpria o turno das 7h às 16h48min na fábrica.

Na sala de casa, o televisor de 20 polegadas em que acompanha os jogos do campeonato encaixa-se, ao lado de revistas e fotos da filha, na estante feita de aglomerado de madeira e coberta por lâmina de mogno - peça distinta dos móveis tipo exportação, de madeira maciça e design europeu, que ajudava a produzir em sua ex-fábrica.

Fonte: Diário Catarinense/News Log

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