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Notícias

07
abr
2008
(ECONOMIA)
A Metade Sul depois da floresta
Em tempos idos entre 2003 e 2006, nas discussões sobre o futuro da humanidade no Café Aquário, em Pelotas, ou à boca pequena entre autoridades no Palácio Piratini, se tornou corriqueiro dizer que a Metade Sul iria virar floresta.

Sabia-se que se tratava de uma metáfora, mas ainda havia dúvida sobre seu tamanho. O quanto os investimentos das gigantes da celulose Aracruz, Stora Enso e Votorantim seriam capazes de transformar o revestimento ondulante e ralo do pampa gaúcho?

Pois agora se sabe: é de 4,5%.

Esse número representa o quanto dos 11 milhões de hectares de estabelecimentos agrícolas da região deve estar ocupado por lavouras de eucalipto, pinus e acácia até 2011, de acordo com estimativa da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor). Se espera que sejam cobertos cerca de 500 mil hectares. Atualmente, as três empresas já ocupam 167 mil hectares com projetos de florestamento.

Se a Metade Sul não se fez selva, seu mapa agora abunda tufos de eucaliptos. No desenho do Estado no papel, os feixes aparecem bagunçados, sem nenhuma organização aparente, muito embora lá no solo, como nas fotos abaixo, as árvores pareçam plantadas com distância milimetricamente calculada, como vértices de milhões de retângulos imaginários.

Rossano Lazzaroto fez os seus retângulos em 2005. Fincou 33 mil mudinhas em 20 hectares da propriedade Guarda Velha, em Pinheiro Machado. Os pitocos de 20 cm já chegaram a 12 metros e continuam se mexendo rumo ao céu, cujo azul outrora soberano naquelas paragens já compete com um verde denso para quem olha de baixo.

Assim como a Metade Sul, a propriedade de Lazzaroto também não ficou toda cheia de eucaliptos. Os 20 hectares plantados são só 28,6% dos 70 da Guarda Velha. Quando desembarcou de Bento Gonçalves no sul do Estado em 2001, Lazzaroto queria fazer prosperar a viticultura da sua Serra ali no pampa. Não desistiu, mas aderiu também ao programa Poupança Florestal, da Votorantim Celulose e Papel (VCP). Guardou seis hectares para videiras imigrantes e o resto para a pecuária, tão familiar, há tanto tempo, daquele campo.

É uma pena que não dê para sintetizar em um percentual as mudanças de Pinheiro Machado e de seus 13 mil habitantes. De qualquer jeito, se pode dizer que só Lazzaroto emprega 300 pessoas, o equivalente a 2,3% da população local, pelos negócios com a VCP. E a Secretaria de Indústria e Comércio da cidade fez uma tabela para mostrar os negócios brotados desde a chegada da empresa: um hotel, um restaurantes, duas farmácias, três lojas, uma construtora e mais alguns, sem falar na padaria Tio Joaquim. Juntos, eles empregam mais 141 pessoas, outro 1% de pinheirenses.

- De três anos para cá, o movimento triplicou aqui - conta Neuza Feira, funcionária do Bar e Hotel Quitandinha. Por acaso o filho, Mauro, presta serviço para a VCP.

Casos parecidos pipocam na parte dos 104 municípios da Metade Sul em que o eucalipto forma seus retângulos.

Do buggy ao porto

Nenhum ano parece mais promissor do que 2011 para quem se envolveu com florestamento na Metade Sul. Todas as projeções apontam para lá: o ano do primeiro corte a inauguração das fábricas da VCP e da Aracruz.

A Ageflor aposta que vai chegar a R$ 10 bilhões o Produto Interno Bruto (PIB) do setor florestal no Estado quando se iniciar o giro das engrenagens das novas indústrias de celulose - a projeção para 2007 é de R$ 4,6 bilhões. A riqueza começa a se formar na produção da muda, passa pela implantação florestal, pelo manejo, a colheita, o traslado para as fábricas. Depois, a industrialização, a viagem ao porto, no caso de exportação, ou a distribuição no mercado interno.

O caminho do Porto de Rio Grande é o que deve tomar - ainda em 2008, bem antes do ano dourado da celulose - a acácia de Sebastião Ribeiro, 60 anos, advogado de Canguçu. Ele foi o primeiro a obter empréstimo do Programa de Financiamento Florestal, da Caixa RS, para plantar acácia na Fazenda São Manoel, em 2004.

- Eu acordava às 6h e carregava as caixas com mudas de acácia num buggy - conta Ribeiro.

Atualmente, esse ciclo em que Ribeiro está metido gera milhares de empregos - alimentados pelo fornecimento à empresa de celulose Cambará, em Cambará do Sul, à atual unidade da Aracruz, em Guaíba, e ao setor moveleiro. Ainda está para se descobrir quantos empregos 2011 trará.

Na nova geração do florestamento, outros negócios em prospecção devem se alimentar das matas artificiais. Eduardo Allgayer Osório, diretor-presidente da Fundação Centro de Agronegócios, de Pelotas, trabalha em um projeto de exploração da cadeia apícola. O cálculo é que seja possível implantar entre 100 mil e 200 mil colméias - rastreáveis por chip - , capazes de produzir 50 kg de mel por ano, vendido cada um a US$ 2,50.

É preciso ter cuidado, entretanto, para não pensar que as florestadoras são a solução definitiva para a Metade Sul, adverte o professor Luís Roque Klering, da Escola de Administração da UFRGS. Ele calcula que a região pode incrementar em até US$ 2 bilhões o seu PIB, de cerca de US$ 10 bilhões hoje. É pouco para alterar a disparidade regional: a Metade Sul gera cerca de 16% da riqueza do Estado.

As vocações econômicas têm tudo a ver com isso. O valor obtido com o total da safra gaúcha de arroz é semelhante ao produzido por uma indústria metalmecânica como a Marcopolo, de Caxias do Sul.

Sombra sobre as cidades

Barra do Ribeiro era, nos anos 50, apenas um refúgio de quem apreciava as águas doces e calmas do lago Guaíba. Hoje está em processo de crescimento acelerado. O que proporcionou a largada para o desenvolvimento foi a atividade florestal.

Cerca de 20% do território do município é ocupado por plantações de eucalipto. A cidade de 12 mil habitantes foi a primeira no Estado a receber investimentos nesse sentido. A Borregaard, sucedida pela Riocell e Aracruz, comprou os primeiros lotes de terra no município em 1967.

De lá para cá, a economia da cidade deu um pulo. Hoje, a empresa tem 11 mil hectares plantados e emprega, junto com uma terceirizada, 700 funcionários. O prefeito Anacleto Miliszewski (PT) comenta que, só em impostos como o ICMS e ISSQN, o município arrecada do setor florestal cerca de R$ 800 mil por ano.

A política de dar prioridade para contratação de mão de obra local mudou a vida de muitos barrenses. Carlos Salazar, proprietário de uma empresa fornecedora de viandas, é um deles. Com a intensificação do trabalho da Aracruz, ele foi contratado em 2003 para fornecer os almoços dos funcionários. São 12, 6 mil refeições por mês. O lucro da empresa dobrou desde então, e o quadro de funcionário triplicou.

- Ainda estamos batalhando, mas já melhorou muito. Consegui aprimorar minhas instalações. Os almoços fornecidos para a empresa representam 70% do nosso trabalho. A renda disso tudo proporcionou elevação no meu padrão de vida - explica.

Se Barra do Ribeiro já está acostumada com as transformações iniciadas há 30 anos, a oeste e ao sul os reflexos da instalação das florestadoras ainda são novidade. Veja ao lado:

A presença das empresas de celulose e papel no Estado

Aracruz

Quando chegou?
Julho de 2003, através da aquisição da Riocell da Klabin.

Quanto já investiu?
US$ 700 milhões.

Áreas de floresta atual
110 mil hectares, incluindo áreas de preservação permanente e reserva legal e também contratos com produtores florestais.

Onde está?
Arroio dos Ratos, Barão do Triunfo, Barra do Ribeiro, Butiá, Cachoeira do Sul, Camaquã, Cerro Grande do Sul, Charqueadas, Dom Feliciano, Eldorado do Sul, Encruzilhada do Sul, General Câmara, Guaíba, Mariana Pimentel, Minas do Leão, Pantano Grande, Porto Alegre, Rio Pardo, São Jerônimo, Sentinela do Sul, Sertão Santana, Tapes, Triunfo e Viamão.

Com o projeto de expansão planejado pela empresa, a Aracruz irá atuar também em Amaral Ferrador, Caçapava do Sul, Lavras do Sul, São Gabriel, São Lourenço do Sul, Santa Margarida do Sul, São Sepé e Vila Nova do Sul.

Stora Enso

Quando chegou?
Setembro de 2005.

Quanto já investiu?
Dado não fornecido. Em 2005, estimava-se ser necessário um investimento de US$ 1 bilhão para iniciar a produção de celulose.

Áreas de floresta atual
9 mil hectares plantados.

Onde está?
Alegrete, Cacequi, Itaqui, Maçambará, Manoel Viana, Rosário do Sul, São Borja, São Francisco de Assis, São Gabriel, São Vicente do Sul e Unistalda.

VCP

Quando chegou?
Segundo semestre de 2003.

Quanto já investiu?
US$ 250 milhões na área florestal, incluindo viveiro, aquisição de terras e maquinário.

Áreas de floresta atual
48,7 mil hectares: 37,7 mil próprios e 11 mil hectares por produtores participante do programa Poupança Florestal. A previsão é chegar a 140 mil hectares até 2011.

Onde está?
Em 27 municípios. Em Capão do Leão, instalará o maior viveiro coberto da América Latina (27 ha). Disputam a localização da fábrica Arroio Grande, Capão do Leão, Cerrito, Pedro Osório, Pelotas e Rio Grande.

Saiba mais

Rosário do Sul não se preocupa mais com desemprego. Só uma empresa de planos de saúde saltou de 50 para 500 seu número de clientes em função da atividade florestal. O ramo imobiliário se agitou com a mudança de técnicos para a cidade. O proprietário de uma imobiliária, Ricardo Pietro, confirma: os contratos de aluguéis aumentaram em 30% e ficaram 10% mais caros. Casas à venda no centro da cidade são raras.

Pinheiro Machado também vive a escassez de imóveis, o que alimenta os negócios do Hotel Dal Cortiva, instalado há mais de um ano. A administradora Rosa Domingues conta que o movimento é perene o ano inteiro por causa das empresas de celulose.

Unistalda viu a arrecadação do tributo municipal sobre serviços aumentar 187% em 2007 ante o ano anterior depois que a Stora Enso, através de uma empresa terceirizada, comprou terras e se instalou por lá. O comportamento dos moradores do município de 2,4 mil habitantes mudou: segundo o prefeito José Amélio Ucha Ribeiro (PP), como 60 funcionários, as maiorias jovens, vãos trabalhar às 6h, as arruaças na madrugada terminaram.

São Francisco de Assis teve um acréscimo de 250 empregos. Por causa do movimento dos novos negócios, segundo o secretário de administração, Paulo Gioda, uma empresa de ônibus, que faz o transporte dos funcionários, aumentou a sua frota de quatro para sete carros.

Manoel Viana não teve nenhuma ocorrência policial grave, fato que o prefeito Jorge Gustavo Medeiros (PDT) atribui aos quase cem empregos novos diretos. No ano passado, foram registradas duas mortes no município. Também caíram as ocorrências corriqueiras: foram 261 no verão de 2006/2007 contra 207 no último.

Fonte: Zero Hora

ITTO Sindimadeira_rs