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Notícias
26
fev
2007
(GERAL)
Garimpo verde devasta floresta do Maranhão
Fazenda invadida por posseiros e alvo da reforma agrária enfrenta desmatamento desenfreado
Alfilenio Gomes é um homem atarracado, mas sua força vem mesmo de uma motosserra Stihl, modelo MS 051. Ideal para “trabalhos pesados, em qualquer tipo de floresta com árvores de grande porte”, como indica o fabricante. O sabre de 75 centímetros é capaz de pôr abaixo, em questão de minutos, árvores centenárias da Amazônia brasileira. É essa a profissão de Gomes, um brasileiro de 36 anos que sustenta seis filhos derrubando jatobás, ipês, cedros e outras madeiras nobres no interior do Maranhão.
Como a maioria dos trabalhadores, Alfilenio Gomes desperta cedo. No caso dele, no meio da mata, abrigado em uma barraca improvisada de lona preta. É sua morada enquanto houver árvores frondosas para serem cortadas. Às 7h30, ele e seus colegas já estão caminhando. Uma hora de passos silenciosos e imagens gritantes. Cruzam desmatamentos anteriores e árvores menores, deixadas pelo caminho por causa do baixo valor comercial. Um cemitério da floresta. E Gomes é mais um de seus construtores.
Surge um jatobá, fácil de reconhecer para quem vive de derrubá-las. A árvore tem a altura de um prédio de dez andares. Gomes coloca o capacete protetor azul, mira à volta e liga o motor da MS 051. É como o ronco de uma motocicleta de alta cilindrada. Ensurdece. Nada mais natural que ele seja chamado pelos colegas de Motoca. Um talho diagonal, de alto a baixo, é feito num dos cantos da árvore. Aponta a direção da queda que virá em instantes. Só o tempo de Motoca recomeçar o corte no resto do tronco, já na horizontal e no canto oposto. Ninguém grita “madeira”. Apenas saem correndo para se proteger.
O jatobá (nome científico Hymenaea courbaril) tem copa larga, que chega a 3 metros de diâmetro e cerca de 6 ou 7 metros quadrados de área. Isso significa que, quando cai, arrasta também espécies menores que antes protegia. Motoca acha isso rotina. E, como parte do trabalho, vem então a tarefa de limpar o seu ganha-pão. Primeiro faz um novo corte próximo do anterior. Rente ao tronco. É um tipo de atestado da árvore: se ela está oca, o novo corte mostrará isso. “Essa é boa, virô só as tiras”, diz ele, numa das raras vezes em que se manifesta. Em seguida, desbasta os galhos do jatobá e corta-o em toras de cerca de 6 metros.
Num único dia, Motoca derruba uma média de cinco árvores. Tudo ilegalmente. Vende a atravessadores que compram um caminhão carregado com nove toras de jatobá ou ipê por R$ 300. É o preço do momento, uma árvore de mais de 30 metros valendo menos de R$ 170. “A vida é muito difícil”, afirma Gomes. “O que se ganha é pouco e mal dá para sobreviver. O dinheiro que a gente tira daqui é igual dinheiro de garimpo. É amaldiçoado, porque a gente não consegue fazer nada.”
O “aqui” de Gomes é a Fazenda Citema, localizada entre os municípios de Grajaú e Arame, a 500 quilômetros de São Luís. O “dinheiro de garimpo” faz jus à rede formada no comércio ilegal de madeiras na Amazônia. Em muito se parecem, o garimpo e a atividade madeireira. São cerca de 3 mil pessoas entre ex-trabalhadores rurais, madeireiros e atravessadores atuando no local. Os mais pobres entre eles são os que enfrentam os dias na mata, sonhando ficarem ricos. Demarcam e cortam as madeiras, mas ganham menos. Enriquecem os atravessadores, que revendem o produto para serrarias de cidades vizinhas pelo dobro do preço. E também os donos das serrarias que vendem a R$ 1 mil a mesma madeira processada.
TERRA DE NINGUÉM
A exploração ilegal de madeiras nobres nessa parte da Amazônia está devastando uma área de 23 mil hectares - um pouco mais que a capital Recife, em Pernambuco. A fazenda foi invadida por posseiros e grileiros em 2003. Desde então, virou terra de ninguém. Os postos do Ibama e da Polícia Federal estão a mais de 200 quilômetros. A fazenda pertence à Companhia Industrial e Técnica do Maranhão, que compõe o grupo EIT Construções. Nenhum representante da empresa é encontrado mais na área. Por e-mail, a diretoria afirma que se sente impotente e impedida de entrar na propriedade.
Sem fiscalização, as atividades ilegais proliferam livremente. Caminhões Chevrolet modelo D60, fabricados nos anos 1970, trafegam dia e noite pelas estradas da região. São perigosas por causa do piso muito irregular. E também pelo grande número de roubo a ônibus e carros. Quando atuam, os fiscais do Ibama ficam no posto da Polícia Rodoviária Federal. Mas nunca de noite, quando os bandidos agem.
Os caminhões entram vazios na fazenda e saem carregados de toras. São várias as entradas nos mais de 60 quilômetros de largura da propriedade. Ramais de terra e picadas que dão acesso aos acampamentos. Ao lado deles, um cenário apocalíptico. Árvores queimadas, restos de toras apodrecidas e poucas espécies vegetais rasteiras que resistem à destruição.
Buriticupu, vizinha a Arame, já é chamada de “cidade da fumaça”. Tem 40 serrarias em atividade e várias carvoarias. Estas são simbióticas à exploração madeireira. Como aos madeireiros só interessa a madeira nobre, os carvoeiros aproveitam o resto das árvores deixadas para trás. Produzem o carvão vegetal que alimentam os fornos de siderúrgicas de ferro gusa no Maranhão e Pará.
DESAPROPRIAÇÃO
Um ciclo que atrai brasileiros depauperados e sem apego à lei. A disputa de terra e árvores nobres já causou a morte de oito pessoas desde 2005. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Arame, todas foram assassinadas. “A situação da fazenda é difícil desde 1997, quando parte da fazenda foi invadida, primeiro por pequenos trabalhadores rurais, depois por grandes grileiros”, explica Mariana Monteiro Araújo, presidente do sindicato. “Tentamos colocar ordem na fazenda, fazendo 300 contratos de comodato. Mas depois perdemos o controle da situação.”
O Incra tenta desapropriar a área para criar um assentamento de reforma agrária para 350 famílias. Os invasores que pediram a vistoria da Fazenda Citema afirmaram que fermentava ali um processo típico da destruição florestal. Primeiro a derrubada da mata nativa em busca das árvores nobres. Sem dó. Depois, a retirada de matéria-prima para as carvoarias. A mão-de-obra envolveria trabalho escravo, nunca comprovado. Terra arrasada, a empresa entraria com um projeto de reflorestamento de eucalipto, como já vem ocorrendo com outras áreas ao sul do Maranhão. A empresa nega. Afirma apenas que desenvolvia duas atividades: serraria e criação de gado. Hoje paralisadas.
Alfilenio Gomes é um homem atarracado, mas sua força vem mesmo de uma motosserra Stihl, modelo MS 051. Ideal para “trabalhos pesados, em qualquer tipo de floresta com árvores de grande porte”, como indica o fabricante. O sabre de 75 centímetros é capaz de pôr abaixo, em questão de minutos, árvores centenárias da Amazônia brasileira. É essa a profissão de Gomes, um brasileiro de 36 anos que sustenta seis filhos derrubando jatobás, ipês, cedros e outras madeiras nobres no interior do Maranhão.
Como a maioria dos trabalhadores, Alfilenio Gomes desperta cedo. No caso dele, no meio da mata, abrigado em uma barraca improvisada de lona preta. É sua morada enquanto houver árvores frondosas para serem cortadas. Às 7h30, ele e seus colegas já estão caminhando. Uma hora de passos silenciosos e imagens gritantes. Cruzam desmatamentos anteriores e árvores menores, deixadas pelo caminho por causa do baixo valor comercial. Um cemitério da floresta. E Gomes é mais um de seus construtores.
Surge um jatobá, fácil de reconhecer para quem vive de derrubá-las. A árvore tem a altura de um prédio de dez andares. Gomes coloca o capacete protetor azul, mira à volta e liga o motor da MS 051. É como o ronco de uma motocicleta de alta cilindrada. Ensurdece. Nada mais natural que ele seja chamado pelos colegas de Motoca. Um talho diagonal, de alto a baixo, é feito num dos cantos da árvore. Aponta a direção da queda que virá em instantes. Só o tempo de Motoca recomeçar o corte no resto do tronco, já na horizontal e no canto oposto. Ninguém grita “madeira”. Apenas saem correndo para se proteger.
O jatobá (nome científico Hymenaea courbaril) tem copa larga, que chega a 3 metros de diâmetro e cerca de 6 ou 7 metros quadrados de área. Isso significa que, quando cai, arrasta também espécies menores que antes protegia. Motoca acha isso rotina. E, como parte do trabalho, vem então a tarefa de limpar o seu ganha-pão. Primeiro faz um novo corte próximo do anterior. Rente ao tronco. É um tipo de atestado da árvore: se ela está oca, o novo corte mostrará isso. “Essa é boa, virô só as tiras”, diz ele, numa das raras vezes em que se manifesta. Em seguida, desbasta os galhos do jatobá e corta-o em toras de cerca de 6 metros.
Num único dia, Motoca derruba uma média de cinco árvores. Tudo ilegalmente. Vende a atravessadores que compram um caminhão carregado com nove toras de jatobá ou ipê por R$ 300. É o preço do momento, uma árvore de mais de 30 metros valendo menos de R$ 170. “A vida é muito difícil”, afirma Gomes. “O que se ganha é pouco e mal dá para sobreviver. O dinheiro que a gente tira daqui é igual dinheiro de garimpo. É amaldiçoado, porque a gente não consegue fazer nada.”
O “aqui” de Gomes é a Fazenda Citema, localizada entre os municípios de Grajaú e Arame, a 500 quilômetros de São Luís. O “dinheiro de garimpo” faz jus à rede formada no comércio ilegal de madeiras na Amazônia. Em muito se parecem, o garimpo e a atividade madeireira. São cerca de 3 mil pessoas entre ex-trabalhadores rurais, madeireiros e atravessadores atuando no local. Os mais pobres entre eles são os que enfrentam os dias na mata, sonhando ficarem ricos. Demarcam e cortam as madeiras, mas ganham menos. Enriquecem os atravessadores, que revendem o produto para serrarias de cidades vizinhas pelo dobro do preço. E também os donos das serrarias que vendem a R$ 1 mil a mesma madeira processada.
TERRA DE NINGUÉM
A exploração ilegal de madeiras nobres nessa parte da Amazônia está devastando uma área de 23 mil hectares - um pouco mais que a capital Recife, em Pernambuco. A fazenda foi invadida por posseiros e grileiros em 2003. Desde então, virou terra de ninguém. Os postos do Ibama e da Polícia Federal estão a mais de 200 quilômetros. A fazenda pertence à Companhia Industrial e Técnica do Maranhão, que compõe o grupo EIT Construções. Nenhum representante da empresa é encontrado mais na área. Por e-mail, a diretoria afirma que se sente impotente e impedida de entrar na propriedade.
Sem fiscalização, as atividades ilegais proliferam livremente. Caminhões Chevrolet modelo D60, fabricados nos anos 1970, trafegam dia e noite pelas estradas da região. São perigosas por causa do piso muito irregular. E também pelo grande número de roubo a ônibus e carros. Quando atuam, os fiscais do Ibama ficam no posto da Polícia Rodoviária Federal. Mas nunca de noite, quando os bandidos agem.
Os caminhões entram vazios na fazenda e saem carregados de toras. São várias as entradas nos mais de 60 quilômetros de largura da propriedade. Ramais de terra e picadas que dão acesso aos acampamentos. Ao lado deles, um cenário apocalíptico. Árvores queimadas, restos de toras apodrecidas e poucas espécies vegetais rasteiras que resistem à destruição.
Buriticupu, vizinha a Arame, já é chamada de “cidade da fumaça”. Tem 40 serrarias em atividade e várias carvoarias. Estas são simbióticas à exploração madeireira. Como aos madeireiros só interessa a madeira nobre, os carvoeiros aproveitam o resto das árvores deixadas para trás. Produzem o carvão vegetal que alimentam os fornos de siderúrgicas de ferro gusa no Maranhão e Pará.
DESAPROPRIAÇÃO
Um ciclo que atrai brasileiros depauperados e sem apego à lei. A disputa de terra e árvores nobres já causou a morte de oito pessoas desde 2005. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Arame, todas foram assassinadas. “A situação da fazenda é difícil desde 1997, quando parte da fazenda foi invadida, primeiro por pequenos trabalhadores rurais, depois por grandes grileiros”, explica Mariana Monteiro Araújo, presidente do sindicato. “Tentamos colocar ordem na fazenda, fazendo 300 contratos de comodato. Mas depois perdemos o controle da situação.”
O Incra tenta desapropriar a área para criar um assentamento de reforma agrária para 350 famílias. Os invasores que pediram a vistoria da Fazenda Citema afirmaram que fermentava ali um processo típico da destruição florestal. Primeiro a derrubada da mata nativa em busca das árvores nobres. Sem dó. Depois, a retirada de matéria-prima para as carvoarias. A mão-de-obra envolveria trabalho escravo, nunca comprovado. Terra arrasada, a empresa entraria com um projeto de reflorestamento de eucalipto, como já vem ocorrendo com outras áreas ao sul do Maranhão. A empresa nega. Afirma apenas que desenvolvia duas atividades: serraria e criação de gado. Hoje paralisadas.
Fonte: Estadão
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