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Iniciativas mostram como proteger fortalece a biodiversidade e o compromisso ambiental de empresas
Um dos principais símbolos culturais e naturais da região Sul do Brasil, a floresta com araucárias tem sido considerada, nas últimas décadas, um dos ecossistemas mais ameaçados de extinção do país, de acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), seja pelo avanço de práticas agrícolas ou pelo extrativismo vegetal. Um estudo publicado em meados de 2024 por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), utilizando imagens de satélite, apontou que restam apenas 4,3% da cobertura original.
Esse valor compreende cerca de 1,2 milhão de hectares do ecossistema, também conhecido como Floresta Ombrófila Mista. Os maiores fragmentos no Brasil estão nos três estados da região Sul. Originalmente, a floresta com araucária ocupava uma área de cerca de 200 mil quilômetros quadrados, estando presente em 40% do território do Paraná, 30% de Santa Catarina e 25% do Rio Grande do Sul.
Os 10 maiores fragmentos ainda restantes têm uma média de 4.132 hectares, localizados nesses três estados. No RS, um dos principais locais onde essa formação ainda está presente é na Estação Ecológica Estadual Aratinga, entre São Francisco de Paula e Itati, com 2.729 hectares.
Segundo a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), a exploração dos recursos e a conversão do solo para outras atividades, principalmente agrícolas, reduziram drasticamente a extensão original, tornando-a um dos ecossistemas mais ameaçados do país. A exploração do ecossistema afetou também outras espécies da flora, como a imbuia, uma árvore de madeira nobre encontrada neste tipo de floresta. O desmatamento e a redução da biodiversidade da Floresta com Araucária refletiu ainda na perda de habitat para muitas espécies de animais selvagens, reforça a Apremavi. Por isso, ações de conservação são essenciais para manter o ecossistema vivo, assim como todo o bioma da Mata Atlântica.
Exemplo de preservação
Um destes espaços de preservação da floresta de araucária está localizado no interior da cidade paranaense de Lapa, distante cerca de 80 quilômetros de Curitiba. A Mata do Uru é um oásis do ecossistema original, com quase 130 hectares de mata preservada. Há mais de 20 anos, o espaço, que era então mantido apenas pela família proprietária do imóvel rural, passou a ser cuidado também pela iniciativa privada, através da adoção feita pela empresa Posigraf, do grupo Positivo.
Desde então, foram mais de R$ 2 milhões investidos na área, seja na criação de estruturas para receber visitantes como no manejo adequado da fauna e da flora, sob orientação técnica da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), formando uma parceria tripartite privada. Anos depois, a adoção do espaço também ajudou a empresa a obter reconhecimentos de sustentabilidade, principalmente com a de produção fabril com neutralidade na emissão de gás carbônico.
Junto à produção rural, um oásis de Mata Atlântica
Em meio a uma cidade histórica – uma das mais antigas do Paraná – e com uma vizinhança formada principalmente por fazendas com plantação de soja ou criação de animais de corte, a Mata do Uru se tornou um local de preservação e, no últimos anos, de pesquisa sobre o bioma da Mata Atlântica. Além disso, algumas sementes de árvores matrizes da floresta são utilizadas para o replantio de outras áreas de conservação.
Entretanto, antes da parceria com a iniciativa privada iniciar, o espaço já era preservado pela família proprietária, mais especificamente por Gabriel Campanholo. Já falecido, ele era um entusiasta da conservação ambiental, atuando quase como um ermitão. Sobrinha-neta dele e atual proprietária do imóvel rural, Carolina Gianello conta que Campanholo cuidava da floresta nativa quase sozinho, se não fosse a presença de dois cães pastor alemão e uma espingarda para evitar a caça ilegal.
Parceria para preservar
No início dos anos 2000, ao ver na mídia uma entrevista do diretor-executivo da SPVS, Clóvis Borges, Campanholo decidiu enviar duas cartas para a entidade, solicitando auxílio em sua tarefa de preservação da floresta com araucária. O pedido foi levado a sério. Borges passou, então, a intermediar a parceria com o grupo Positivo.
Carolina cita que, infelizmente, o tio-avô não pôde ver a área que tanto protegia se tornar Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), pois faleceu em 2004, meses antes disso acontecer de fato. Apesar disso, ela destaca a satisfação em ver o sonho dele sendo realizado na prática, com a preservação da área.
“Desde o início, a intenção da família sempre foi conservar. Tanto o meu bisavô quanto o irmão dele eram madeireiros. Só que o meu ‘nonno’ (avô, em italiano) um dia foi visitar um campo de exploração e ficou abismado em ver a destruição e como isso afetava a vida dos animais e das plantas. Aquilo abriu o olho para que a família decidisse por adquirir e preservar essa área. Isso foi na década de 1950. Então eles foram visionários, pois não se falava em sustentabilidade ainda. Hoje temos uma parceria muito bem sucedida e é uma satisfação ver a mata do jeito que está, com o legado da família sendo mantido”, falou Carolina.
Ritmo natural
A intenção da parceria na área é deixar que a floresta siga seu ritmo natural de vida, com pouca ou quase nenhuma intervenção humana. A manejo da mata tem como função mapear áreas sensíveis, retirar espécies invasoras que possam causar desequilíbrio no ecossistema, praticar ações de fiscalização contra a caça ilegal e contra a colheita de pinhão dentro da floresta, monitorar o aparecimento de espécies em extinção e promover a manutenção das duas trilhas que existem no local.
Além disso, a mata também serve de matriz para outras áreas de conservação, de acordo com o biólogo Rafael Ezerban, que é responsável pela floresta de 129,6 hectares. Parcerias com institutos de pesquisas são realizadas para coletar sementes de árvores como a própria araucária ou mesmo imbuia, canela, cedro-rosa ou outras espécies, para serem plantadas em outras unidades de preservação.
Relicário
Todo o manejo adequado do local e, principalmente, a filosofia de deixar a floresta ter a vida própria fez com que a Mata do Uru também se tornasse um local de avistamento de animais ameaçados. A partir de câmeras espiãs, os responsáveis pela área já registraram a passagem de espécies como puma (onça-parda), jaguatirica, além de outros mamíferos, répteis e aves, como o próprio uru, um pássaro terrestre que vive no solo de florestas e dá nome ao local.
“(A Mata do Uru) É uma floresta muito equilibrada e muito antiga, com árvores de mais de 300 anos. Todas as espécies são nativas desse ecossistema. Temos espécies raras e ameaçadas, tanto da fauna como da flora. Muitas delas, principalmente as árvores, possuem um crescimento lento. Aqui é um relicário que também possui essa função ecológica de ser fornecedora de novos indivíduos de espécies nativas para a restauração de novas florestas no Paraná e em outros estados, como se fosse um banco de sementes de espécies que podem povoar outros territórios”, completou o biólogo.
Natureza como investimento
Além de sua função ecológica, a Mata do Uru é também um marco para a conservação de florestas no Brasil. De acordo com o diretor-executivo da SPVS, Clóvis Borges, ela é uma das mais antigas áreas privadas em preservação no país. Para ele, a adoção do espaço para a preservação da floresta com araucária por um ente privado deve servir de inspiração para outras organizações.
“A importância desse projeto está na incorporação de seu conceito. Eu não preciso conservar algo por conta de algum valor econômico, mas porque isso é, eticamente, o correto a ser feito”, ressalta. Para ele, as empresas devem enxergar um exemplo a ser seguido. “Mas precisamos disso em escala, com mais e mais marcas preservando áreas para produzir natureza”, apontou ele.
Desde que entrou na parceria para o cuidado com a área, a SPVS ampliou sua atuação em projetos como esse. Atualmente, a entidade atua em cerca de 50 áreas florestais com objetivo de preservação e pesquisa, firmando parcerias com empresas de diversos setores do mercado, como instituições financeiras e fábricas de bebidas.
“Esse exemplo inspirou, mas 50 áreas ainda não é nada comparado com o que precisamos. Nossa necessidade é de milhares de espaços de preservação. Precisamos também de políticas públicas para fomentar isso. Replicar esse exemplo demanda a mudança de uma cultura, principalmente no entendimento de que esse tipo de ação não é um custo, mas sim um investimento”, completou Borges.
Mata do Uru e a produção de carbono neutro
Com cerca de 130 hectares – o equivalente a 182 campos de futebol padrão Fifa – e árvores centenárias, a Mata do Uru também exerce a função de sequestrar gás carbônico da atmosfera, absorvido pelas plantas durante a fotossíntese. Conforme o biólogo Rafael Ezerban, por ser uma floresta robusta, a área tem capacidade de estocar de 140 a 148 toneladas de carbono por hectare.
“São várias e várias toneladas que são sequestradas aqui. A floresta é uma tecnologia única. Não existe uma máquina capaz de fazer o que ela faz. Quando as florestas são degradadas ou sofrem algum tipo de impacto, a gente perde carbono. Quando elas são cuidadas e enriquecidas, elas sequestram ainda mais carbono. A natureza não é um impeditivo de desenvolvimento. Pelo contrário, precisamos olhar para o futuro a partir da proteção da natureza”, afirmou.
Aliar desenvolvimento e sustentabilidade a partir da preservação da Mata do Uru fez com que a Posigraf atingisse, em 2024, a meta de se tornar uma empresa carbono neutro nas emissões de gases resultantes de suas atividades produtivas. A empresa utilizou a metodologia de compensação voluntária, sem gerar créditos de carbono comercializáveis em mercados tradicionais. As emissões foram compensadas justamente pelo sequestro de carbono na área de floresta preservada em Lapa.
De acordo com a analista de Meio Ambiente da Posigraf, Thaís Milena de Araújo, a gestão das mudanças climáticas faz parte da estratégia de negócio da empresa. Ela reforça que a organização alcançou o objetivo de se tornar carbono neutro após um longo processo de monitoramento e redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
“Alteramos o tipo de matriz energética consumida em nossas plantas e, como resultado, fomos certificados por conta do consumo de energia proveniente de fontes renováveis. Em 2022, todas as nossas fábricas já utilizavam energia produzida em fontes eólicas e hidrelétricas, o que nos rendeu o Certificado Internacional de Energia Renovável”, salientou.
Retorno
Com mais de R$ 2 milhões investidos em duas décadas na área, o grupo Positivo entende que o retorno da ação não ocorre de forma econômica, mas sim de exposição da marca e sua reputação no mercado. Conforme o diretor-geral da Posigraf, Gilberto Alves, a empresa é a segunda maior do setor no país, sendo uma das maiores na América Latina. Em determinados tipos de produtos gráficos, ela é a líder nacional.
Desde a adoção da Mata do Uru, a Posigraf destaca ter executado projetos de muitas empresas que buscam aliar sua imagem ao contexto da sustentabilidade, entre elas, uma das principais players do mercado nacional de beleza e bem-estar. “Apesar dos debates sobre o que é custo e o que é competitividade, sempre foi decidido por manter a adoção do local. Hoje está na moda o termo sustentabilidade, mas já fazemos isso há duas décadas, e esse trabalho gera um reconhecimento importante, essencial para nos mantermos no mercado mesmo em um mundo tão digitalizado”, apontou.
Já a diretora de Sustentabilidade do Grupo Positivo, Eliziane Gorniak, reforça a importância da adoção da Mata do Uru para auxiliar também na construção de uma sociedade com educação ambiental. “Buscamos utilizar esse espaço para a educação. Levamos nossos alunos, nossos clientes e fazemos eventos especiais na área, para entenderem esse trabalho ambiental que o grupo promove. É difícil mensurar um retorno sobre investimento ou um payback, pois ocorre do ponto de vista educacional e de reconhecimento”, finalizou.
Legado que ensina
Junto à preservação, está a educação. “Por isso, precisamos fazer essa mudança de comportamento na prática. A Mata do Uru é o exemplo concreto que a gente quer que seja refletido em nossos colaboradores, nossos alunos, nossas empresas e nossos parceiros comerciais. Para que eles vejam que a preservação é possível e, não apenas isso, mas que é primordial. Ao visitar a mata depois desses 20 anos, é possível perceber como a natureza vai se transformando. Só precisamos deixar que isso aconteça naturalmente”, apontou diretora de Sustentabilidade Eliziane Gorniak.
Conselheiro do grupo Positivo e um dos idealizadores da parceria, Giem Guimarães entende que a adoção é uma dívida histórica do setor com a natureza, principalmente por conta do histórico de extrativismo em florestas com araucária em meados do século passado para a produção de celulose. Além da adoção da área, ele reforça que a Posigraf também passou a implementar formas de produção mais adequadas, como a utilização apenas de celulose derivada de florestas plantadas e a rastreabilidade da matéria-prima.
“Nas décadas de 1940 e 1950, as empresas que trabalhavam com impressão no Brasil imprimiam basicamente com papel feito de araucárias. Por isso, temos uma dívida histórica com esse tipo de floresta. Sempre me preocupou fazer parte dessa cadeia, imprimir milhões de livros anualmente para as crianças, e não olhar para dentro e repensar. Por isso, surgiu a ideia de fazer algo. Por mais que utilizemos papel de papel de florestas plantadas, elas ocupam um espaço que um dia já foram de florestas nativas. A parceria foi um feliz encontro entre quem deseja preservar”, destacou Giem Guimarães.
Rodrigo Thiel
Fonte: https://www.correiodopovo.com.br
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