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A árvore que “sangra” até 2 litros de resina vermelha por corte, rica em flavonoides raros e composta por mais de 80 compostos bioativos, tornou-se um dos organismos mais enigmáticos do planeta e fascinou cientistas por sua origem que remonta a 20 milhões de anos

A árvore que sangra resina vermelha rica em 80 compostos bioativos e origem de 20 milhões de anos intriga cientistas e se tornou um dos organismos mais enigmáticos do mundo.
Em um mundo onde florestas tropicais, savanas e desertos seguem padrões biológicos relativamente previsíveis, existe uma árvore que desafia classificações e parece saída de um universo próprio. Com tronco maciço, copa invertida em formato de guarda-chuva e um interior capaz de liberar um líquido vermelho intenso semelhante a sangue, a Dracaena cinnabari, conhecida como “árvore-do-sangue-de-dragão”, é uma das espécies mais intrigantes já catalogadas pela botânica moderna. Seu aspecto estranho, sua biologia singular e sua resina com propriedades medicinais documentadas há milênios fizeram dela um dos organismos mais estudados por fitoterapeutas, arqueólogos e especialistas em biodiversidade árida.
A árvore não apenas impressiona pela aparência. Ela produz uma resina vermelha cuja composição química reúne mais de 80 compostos bioativos, entre eles flavonoides complexos, proantocianidinas, alcaloides vegetais e taninos de alta pureza, substâncias que variam conforme a idade da planta e as condições ambientais. Há registros de que a extração pode liberar até 1 ou 2 litros de resina ao longo de várias incisões — um processo que precisa ser controlado, pois a planta cresce lentamente e leva décadas para atingir maturidade.
Uma árvore que “sangra” moldada pelo isolamento e por um clima extremo
As árvores-do-sangue-de-dragão estão concentradas principalmente em ambientes de altitudes médias, onde neblinas marítimas atingem rochedos e planaltos.
A estrutura da copa, em forma de guarda-chuva, não é um detalhe estético: ela foi moldada por pressões evolutivas que exigiram captação máxima de umidade em regiões onde a chuva se tornou cada vez mais rara.
Estudos conduzidos por pesquisadores da Universidade de Aden e por expedições financiadas pela UNESCO demonstram que a copa atua como um coletor natural: as folhas canalizam a água das neblinas noturnas para o tronco, permitindo que a própria árvore “crie” sua fonte de irrigação.
Essa adaptação explica por que a espécie consegue sobreviver em regiões que, climática e geologicamente, seriam inóspitas para quase qualquer outra planta de grande porte.
A madeira densa e altamente fibrosa, combinada a uma seiva espessa, confere resistência contra ventos intensos, erosão e longos períodos de estiagem. A árvore cresce lentamente, muito lentamente. Estimativas botânicas indicam que um espécime adulto pode ter entre 200 e 400 anos, embora alguns registros apontem indivíduos milenares.
A resina vermelha: um composto bioquímico único
Chamado popularmente de “sangue de dragão”, o líquido vermelho liberado pelos cortes na casca sempre despertou fascínio. Em análises químicas conduzidas pela Royal Botanic Gardens, Kew, foram isolados:
• flavonoides pouco comuns,
• resinas vegetais polimerizadas,
• proantocianidinas antioxidantes,
• compostos fenólicos com ação cicatrizante,
• pigmentos naturais de estrutura incomum.
A resina foi utilizada como medicamento na Mesopotâmia, no Egito Antigo, na Grécia, na China, e mais tarde na Europa medieval, aparecendo em papiros, tábuas de argila e tratados farmacológicos. Era aplicada como:
• agente cicatrizante,
• anti-inflamatório,
• tinta e verniz,
• ingrediente de rituais religiosos,
• conservante natural,
• pigmento aristocrático em manuscritos.
Hoje, parte dessa tradição se mantém, e a resina continua sendo estudada em laboratórios farmacológicos que investigam propriedades antivirais, hemostáticas e antioxidantes de compostos isolados.
Uma estrutura botânica que desafia arquitetos e ecologistas
A arquitetura da árvore é tão peculiar que arquitetos biomiméticos já estudaram sua estrutura para aplicar princípios semelhantes em projetos de captação de água, sombreamento urbano e resistência estrutural sem suportes centrais visíveis.
Os galhos se ramificam em padrões geométricos quase matemáticos, formando uma rede que se expande horizontalmente e que, quando vista de cima, lembra fractais. Esse formato distribui uniformemente o peso durante tempestades esporádicas e impede que galhos cedam sob ventos fortes — adaptação essencial em regiões com solos rasos e rochosos.
Do ponto de vista ecológico, a árvore desempenha papel crítico:
• cria sombra para espécies menores,
• abriga aves e insetos endêmicos,
• estabiliza solos vulneráveis,
• influencia microclimas locais.
Por isso, sua perda — acelerada pela desertificação, pelo pastoreio descontrolado e por mudanças climáticas, representa risco real para ecossistemas inteiros.
Ciência tenta salvar uma espécie que envelhece sem reposição
Nos últimos anos, relatórios da Socotra Conservation Fund e estudos publicados na revista Biological Conservation alertaram para um problema grave: a regeneração natural da espécie está extremamente comprometida.
A maioria das árvores jovens não consegue sobreviver às condições climáticas atuais, muito mais secas do que há séculos, e a pressão do pastoreio impede que mudas atinjam a fase adulta.
Modelos climáticos projetam que, sem intervenção humana, até 45% da distribuição atual da espécie pode desaparecer até o fim do século. Por isso, programas de reflorestamento, coleta controlada de sementes, cercamento de áreas de regeneração e bancos genéticos internacionais estão sendo montados para garantir que a espécie não entre em extinção.
O enigma que continua intrigando a ciência
Apesar de décadas de estudos, a árvore continua guardando mistérios. Pesquisadores ainda tentam compreender:
• por que sua resina apresenta tantos compostos bioativos raros;
• como variantes genéticas antigas se mantiveram quase intactas;
• de que forma a árvore sobreviveu a ciclos climáticos extremos;
• como sua estrutura de copa evoluiu para captar água com tanta eficiência.
Cada expedição científica retorna com mais dúvidas do que respostas, e é por isso que a árvore-do-sangue-de-dragão é tratada como um “laboratório vivo” de evolução, química natural e resiliência biológica.
Sua imagem icônica — um tronco que parece petrificado e um “sangue” vermelho que escapa ao menor corte continua fascinando especialistas, viajantes e fotógrafos do mundo inteiro. E, enquanto ecologistas tentam preservar os últimos remanescentes, a árvore persiste como testemunha silenciosa de um planeta que mudou drasticamente desde sua origem há milhões de anos.
Escrito porValdemar Medeiros
Fonte: https://clickpetroleoegas.com.br
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