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22
ago
2025
(AGRO)
Agroflorestas: a resposta ancestral que pode salvar o cultivo da erva-mate na crise climática

Sistemas agroflorestais (SAFs) podem reduzir em até 10ºC a temperatura sobre os cultivos. A técnica, que remonta a policultivos indígenas, é alternativa para amenizar impacto de estiagens recorrentes e cenários de escalada do calor

Quatro safras consecutivas da erva-mate no Rio Grande do Sul foram prejudicadas por períodos de estiagens que atingiram o estado. Embora a expectativa para este ano seja de supersafra, com previsão de 320 mil toneladas de folha verde colhidas, a emergência climática deve impor desafios aos produtores nas próximas décadas, segundo uma pesquisa que analisou previsões de alterações de chuvas e temperaturas na América Latina até 2100.

O estudo, assinado por seis pesquisadores da Universidade Estadual Paulista e dos Institutos Federais do Mato Grosso do Sul e do Sul de Minas, se baseia em cenários do modelo CMIP6, utilizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), para estimar quatro cenários globais que variam entre otimista, intermediários e pessimista em períodos de 20 anos. A pesquisa foi publicada no International Journal of Biometeorology.

“As mudanças climáticas vão interferir no setor da erva-mate. Se o cenário mais catastrófico acontecer, as áreas aptas ao plantio no Brasil devem cair muito em relação ao clima atual”, afirma Lucas Eduardo de Oliveira Aparecido, doutor em agrometeorologia e um dos autores do artigo.

Os dados foram cruzados com temperaturas médias anuais entre 15ºC e 22ºC e precipitação média superior a 1.200 mm por ano, fatores considerados pelo estudo como os mais propícios para a produção da erva-mate. Com base nesse zoneamento climático, um tipo de análise que contribui para identificar regiões e períodos favoráveis a diferentes cultivos e minimizar perdas de produção, a pesquisa indicou um cenário atual de 12,2% da área total de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai com chuvas e temperaturas propícias à produção de erva-mate. No pior cenário analisado para o final do século, essa área seria reduzida para 2,2% – uma perda de 82%. Só na região Sul, que concentra os três estados que mais produzem erva-mate no país, a redução seria de 85%. Os dados não levam em consideração as características de solo dos países.

“É essencial entender como as mudanças climáticas podem afetar o cultivo de erva-mate e identificar estratégias de adaptação e mitigação. A análise de zoneamento agroclimático, considerando projeções futuras do clima, é crucial para o desenvolvimento de políticas e ações de adaptação à nova realidade climática”, afirmam os autores da pesquisa.

Mapa: International Journal of Biometeorology/Unesp/ACI

Extensionsta da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do RS e Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Emater/RS-Ascar), Ilvandro Barreto de Melo pondera que o mapa apresentado na pesquisa não contempla aspectos do solo, que são determinantes para a produção de erva-mate. Um exemplo disso é o bioma Pampa, preponderante na metade sul do RS e no Uruguai, cujo solo não é adequado para o cultivo, independentemente dos níveis de chuva e das temperaturas atmosféricas.

“A árvore da erva-mate precisa de um solo profundo, drenável e fértil, características que o Pampa não oferece, muito pela concentração maior de umidade, ruim para a erva-mate”, explica Melo, que também é coordenador da Câmara Setorial da Erva-mate do RS.

Já no bioma Mata Atlântica, onde estão localizados os polos ervateiros gaúchos de Alto Taquari (cerca de 60% da produção do RS), Alto Uruguai, Missões/Celeiro, Nordeste Gaúcho e Região dos Vales, os desafios climáticos das próximas décadas podem ser amenizados com o manejo correto do solo, algo que já vem sendo feito no Rio Grande do Sul.

“A questão da estiagem está muito ligada à forma como o produtor trabalha o seu erval. Trabalhamos muito com descompactação do solo, ampliação da matéria orgânica do solo, uso de sistemas agroflorestais – com árvores estrategicamente implantadas –, adubação e bom sistema radicular. São questões fundamentais para que as plantas sofram menos com a escassez hídrica e, quando ocorram as chuvas, a água fique armazenada no solo”, afirma Melo, com exemplos das medidas que a Emater sugere aos produtores de erva-mate no estado.

Resiliência com base ancestral e científica

Espécie arbórea nativa da América do Sul, com usos que remontam a tradições ancestrais do povo Guarani, a erva-mate (Ilex paraguariensis) tem folhas e galhos finos consumidos em infusões quentes e frias – como no chimarrão e no tererê. Segundo informações da Embrapa Florestas, a composição bioquímica do cultivo tem despertado a atenção das indústrias alimentícias, que utilizam compostos da erva-mate como matéria-prima para a produção, por exemplo, de energéticos.

No Rio Grande do Sul, são consumidas cerca de 100 mil toneladas anuais da erva, segundo dados do Instituto Brasileiro de Erva-Mate (Ibramate). Em fevereiro de 2025, a região de Machadinho (RS) recebeu o reconhecimento de Indicação Geográfica (IG), na modalidade Indicação de Procedência, como produtora de erva-mate, concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) para identificar um produto ou serviço com qualidades atribuídas à sua origem geográfica.

O manejo do cultivo se soma aos papéis do solo, das chuvas e das temperaturas como elemento crucial para a produção de erva-mate – e para a mitigação dos prejuízos provocados pelas estiagens, que provocaram reduções de 5% a 30% na produtividade dos plantios em anos recentes, segundo Melo. O engenheiro-agrônomo ressalta a importância de aspectos como qualidade das mudas, cobertura adequada do solo, adubação, podas e monitoramento contra pragas e doenças como elementos que “tem influência para uma maior ou menor perda da produção nos casos de deficiência hídrica”.

Conforme Melo, o desenvolvimento de pesquisas e capacitações voltadas ao manejo e a genética dos cultivos, nos últimos 15 anos, com envolvimento de entidades como a Emater e a Embrapa Florestas, tem sido fundamental para qualificar a produção e enfrentar os períodos de seca no estado.

Em relação às temperaturas, Melo explica que a partir de 7ºC já é possível o surgimento de brotos nas plantações de erva-mate. A partir de 12ºC, ocorrem processos de fotossíntese. Entre 23º e 25ºC, as plantas atingem o máximo do seu desenvolvimento fisiológico. “Se passa dos 30ºC, começam as dificuldades”, diz o engenheiro-agrônomo. Para contorná-las, Melo destaca pesquisas da Emater sobre o uso de sistemas agroflorestais (SAFs), que produzem sombra, entre outros benefícios, e reduzem a temperatura nas áreas de cultivo.

“No verão, encontramos ervais a pleno sol em temperaturas de até 36ºC. Em sistemas agroflorestais, com cobertura arbórea de extrato superior sobre o erval, a temperatura baixa para cerca de 26ºC. É uma oscilação de até 10 graus que contribui para uma eficiência maior. Os sistemas agroflorestais têm resiliência maior para suportar deficiência hídrica”, afirma Melo. O que hoje se conhece pela sigla SAF tem origem em práticas ancestrais de povos indígenas e comunidades tradicionais que cultivam a erva-mate em ambientes sombreados e biodiversos.

Neste ano, a cultura da erva-mate sob araucárias no Paraná foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam). Conforme definição da ONU, esses sistemas agrícolas “geram meios de subsistência em áreas rurais, combinando biodiversidade, ecossistemas resilientes, tradição e inovação de maneira única”. O cultivo paranaense é o segundo Sipam no Brasil, que também conta com o Sistema de Agricultura Tradicional da Serra do Espinhaço, cadeia montanhosa localizada entre a Bahia e Minas Gerais.

Em Machadinho (RS), um projeto de pesquisa e transferência de tecnologia, desenvolvido pela Embrapa Florestas com a Associação dos Produtores de Erva-Mate de Machadinho-RS (Apromate), a Emater-RS/Ascar e a prefeitura da cidade, tem como foco sistemas agroflorestais que integram espécies nativas, como a araucária, visando maior sustentabilidade ambiental e econômica para os produtores de erva-mate da região.

A pesquisa, que será realizada até 2029, visa aprimorar a produção da erva-mate Cambona 4, variedade tradicional da região, e engloba avaliação de materiais genéticos de alta produtividade, análise financeira dos SAFs e indicadores de impacto, capacitações técnicas e a restauração de áreas degradadas, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APPs).

Outro estudo, desenvolvido pela Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do RS (Seapi), em parceria com a Associação dos Produtores e Parceiros da Erva-Mate do Alto Taquari (Appemat), mostra como os cultivos podem contribuir para a captura de CO2 da atmosfera. Com sabedoria ancestral, comprovada pela ciência, a erva-mate pode se tornar uma aliada contra a crise climática.

O que são sistemas agroflorestais (SAFs)?

Alternativa de uso da terra em que se valoriza o policultivo, combinando espécies frutíferas, madeireiras, medicinais, olerícolas, apícolas, cultivos agrícolas e/ou animais, os sistemas agroflorestais reduzem a dependência de insumos externos e tem a possibilidade de produzir de forma agroecológica. Ao longo do tempo, esses sistemas tendem a reproduzir um sistema natural, com diversidade de espécies e funções na mesma área, além de produzir uma grande variedade de produtos que podem ser comercializados.

Fonte: “A tecnologia social das agroflorestas: espécies recomendadas para o Corredor Ecológico da Quarta Colônia” (2022), manual elaborado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas/UFSM.

https://www.maisfloresta.com.br/agroflorestas-a-resposta-ancestral-que-pode-salvar-o-cultivo-da-erva-mate-na-crise-climatica/

Fonte: Mais Floresta

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