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Notícias

08
ago
2025
(MADEIRA E PRODUTOS)
A árvore que existe no planeta há 230 milhões de anos

Olá, sou a Araucária.

Dedicado ao grande estudioso das Araucárias Dr. João Rodrigues de Mattos (in memoriam) e ao amigo xará Lauro Luiz Leone Vianna

Meu gênero, Araucaria, assim mesmo, em latim, sem acento, existe no planeta há cerca de 230 milhões de anos. Minha história praticamente se entrelaça com a história da evolução dos vegetais na face da Terra. Descendo dos cinco por cento dos seres vivos que sobreviveram à “Grande Morte”, como é apelidada a extinção do Permiano, que varreu mais de 90 por cento dos seres vivos que existiam naquela época.

Testemunhei a separação dos continentes e a formação de um novo oceano, o Atlântico, conforme o que vocês chamam de África e América se afastavam um do outro. Sobrevivi às grandes extinções dos períodos Triássico e fim do Cretáceo. Esta última, a mais bem estudada por vocês, humanos, foi aquela que extinguiu os dinossauros, há 65 milhões de anos.

Testemunhei o surgimento dos primeiros mamíferos primitivos. Dinossauros de inúmeras espécies caçaram, se acasalaram e descansaram sob minhas sombras, enquanto pterossauros planavam sobre minhas copas. Por milhões de anos, alimentei as espécies herbívoras desses répteis com minhas sementes. Quando os primeiros ancestrais de vocês, do gênero Homo, surgiram neste planeta, há apenas dois e meio milhões de anos, eu já estava aqui num tempo cem vezes maior.

Como última e atual espécie do vosso gênero Homo, batizada por vocês mesmos como Homo sapiens sapiens, vocês são recentíssimos, de 300 mil anos atrás. Eu já estava aqui num tempo quase mil vezes maior. Meus primeiros ancestrais ainda conheceram o Gondwana, o continente formado por África e América unidos. Quando vocês surgiram, a África já estava completamente formada, assim como o oceano Atlântico nos separando por milhares de quilômetros.

Incrível. Admiro demais como vocês conseguiram se dispersar pelo planeta, a partir da vossa mãe África, sempre a pé, raramente usando primitivíssimas embarcações para cruzar alguma água e chegar a uma ilha ou a algum outro lado. Foi assim, aparecendo em pequenos grupos a pé, que testemunhei a lenta chegada dos primeiros seres de vossa espécie, os indígenas, que inicialmente não me prejudicaram. Ao contrário, até ajudaram na minha dispersão.

Aquilo que vocês chamam de civilização existe no planeta há apenas quatro mil anos. Comparando, se eu tivesse 100 anos de idade, esta vossa civilização de quatro mil anos seria um bebê recém-nascido de um dia! No entanto, só fui conhecer os primeiros membros de vossa civilização há menos de 500 anos. Até por volta do fim do que vocês chamam de século dezenove, ou seja, cerca de 120 anos atrás, a presença da parte “civilizada” de vocês, a exemplo dos indígenas, não me causava maiores preocupações.

Enfrentar e sobreviver a pelo menos duas grandes extinções, separação de continentes, surgimentos de oceanos e outras turbulências telúricas, fora algumas glaciações que duraram cem mil anos cada e alguns períodos interglaciais, foi “fichinha” perto do que sofri com vocês nesses últimos 120 anos, equivalentes a míseros 4 minutos, se meu tempo de existência fosse de 100 anos.

Antes desses 120 anos, eu ocupava 200 mil quilômetros quadrados desse país que vocês batizaram de Brasil. Em noventa anos, desses últimos 120, vocês foram capazes de reduzir as florestas caracterizadas pela minha presença a míseros dois por cento do que elas já foram — apenas três minutos, na comparação dos 100 anos!

Nada simboliza melhor o início do triste grande genocídio da minha espécie do que as atividades de corte perpetradas por uma gigantesca madeireira, a Companhia Lumber, que o empresário norte-americano Percival Farquhar, do lado civilizado de vocês, sediou em Três Barras, no norte de Santa Catarina, no ano 1911 de vocês. Esse empreendimento era, na época, simplesmente, a maior empresa madeireira da América do Sul! O que para mim foi um genocídio, para vocês foi uma festa financeira. Eu, sozinha, lá pelos anos 1960 do tempo de vocês, cheguei a contribuir, em alguns momentos, com 5% (cinco por cento!) do PIB nacional!

Hoje, as florestas com populações de minha espécie, que vocês chamam de florestas com araucárias, estão reduzidas a míseros dois por cento do que eram antes de vocês, ditos humanos civilizados, quase me dizimarem. Vocês me deixaram literalmente em frangalhos, pois a maioria dessas minhas populações está restrita a fragmentos de menos de 50 hectares, ou seja, área muito pequena para poder manter as características do ecossistema original, com toda sua flora, funga e fauna. Fora a minha variabilidade genética, importante para a sobrevivência de qualquer espécie, não apenas a minha, que vocês deixaram bastante empobrecida.

Preciso urgentemente ser mais bem compreendida e protegida. Não me incomodaria de servir de fonte de matéria-prima para vocês, humanos ditos civilizados, se vocês soubessem me usar sem abusar, sem me destruir enquanto espécie e enquanto ecossistema no qual sou espécie-chave.

Junto com os campos de altitude, as florestas comigo — quero dizer, o ambiente de florestas com araucárias — cobriam 58 por cento de Santa Catarina. No restante da área original de minha ocorrência não é muito diferente. Estamos, no entanto, protegidas em unidades de conservação em apenas dois por cento do estado. Precisa ser mais, no mínimo 17 por cento da área original. Isso quer dizer que vocês, humanos, podem usar todos os 83 por cento de área não protegida, claro, com critérios de sustentabilidade.

Parece uma piada ouvir, depois do sucesso de sobrevivência da minha espécie por longos — bota longo nisso! — 230 milhões de anos, que alguns da parte dita civilizada, mas com mentalidade do tempo de caçador-coletor de vossa espécie, continuem advogando que, sem me explorar, eu vou me extinguir!

Há mais de 30 anos que ouço essa cantilena, essa reclamação contra o governo de vocês que proibiu o corte de árvores da minha espécie e de toda a Mata Atlântica. Nesse período, ao invés do pessoal plantar mudas da minha espécie para, a partir dos meus 15 anos de idade, poder colher meus pinhões e, a partir dos 30 a 40 anos (o normal seriam uns 60 anos), poder começar a aproveitar minha madeira, só ficaram reclamando.

Vossos governos também erraram por não estabelecer normas claras e dar eventuais incentivos para efetivar a sustentabilidade de minha espécie, assim como de muitas outras. Nossas espécies não foram usadas, foram abusadas! Muitos de vocês, humanos, não entendem que, com minha extinção, cria-se mais um degrau na extinção de vossa própria civilização, de tão efêmera duração — insignificantes quatro mil anos. Considerando o tempo da Revolução Industrial, insignificantes 250 anos dentro dos insignificantes quatro mil!

No entanto, ainda tenho um átimo de otimismo. Mesmo com tempos negros se vislumbrando pela frente, com ameaças como o Projeto de Lei da Devastação do Congresso Nacional de vocês, confio na parte mais lúcida de vossa espécie, que luta para que novas ameaças não aconteçam e para que todos compreendam que, enquanto alguém olhar para uma araucária ou qualquer outra árvore e não veja nela nada que não seja um móvel ou outro manufaturado de madeira, não haverá futuro.

https://omunicipioblumenau.com.br/a-arvore-que-existe-no-planeta-ha-230-milhoes-de-anos/

Fonte: omunicipioblumenau.com.br

Sindimadeira_rs ITTO