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Notícias

21
jul
2025
(GERAL)
Importada como solução para reflorestamento, árvore exótica torna-se praga e é alvo de proibições pelo país

Com alta capacidade de crescimento e adaptação, a leucena inibiu o desenvolvimento de espécies nativas e se transformou em ameaça à biodiversidade

Com alta capacidade de crescimento e adaptação, a planta exótica Leucaena leucocephala (leucena) foi trazida do México para o Brasil na década de 1940 com o objetivo de recuperar áreas degradadas e alimentar gados. Entretanto, o mesmo vigor que a tornou útil acabou por a transformar em uma ameaça à biodiversidade: a proliferação da planta inibe o desenvolvimento de espécies nativas. Atualmente presente de norte a sul do Brasil, estados e prefeituras têm adotado medidas que visam proibir o plantio e controlar a expansão da espécie.

A iniciativa mais recente para controle da leucena aconteceu em Campo Grande. A Prefeitura anunciou, no dia 4 de junho, o Plano de Erradicação e Substituição da Planta Exótica Leucena, que proíbe o plantio, comércio, transporte e produção da espécie, com multa de R$ 1 mil para quem descumprir.

Árvores dessa espécie estão presentes nas margens da maior parte dos córregos da capital mato-grossense e foi introduzida no município para recuperar trechos da mata ciliar e conter a erosão, devido à sua rápida capacidade de crescimento. Mas sua presença chamou a atenção depois que ela se proliferou ao longo da BR-262 — principal rodovia do estado — e passou a esconder a paisagem do Pantanal.

Essa dinâmica tem causado impactos negativos na biodiversidade local, aponta a superintendente estadual do Ibama, Joanice Battilani.

— A leucena impede a germinação de plantas nativas que produzem frutos e tem relação com a fauna local. Além disso, dissemina muitas sementes que não alimentam adequadamente os animais da região, por ser uma planta exótica com origem em outro país — relata Joanice.

Joanice relata que a supressão da vegetação na área requer cuidados especiais, como a adoção de normas técnicas de limpeza que garantam a segurança na rodovia.

Substituição por espécies nativas

A gestão municipal de Campo Grande busca mapear e substituir a espécie invasora por plantas de ecossistemas nativos, a fim de proteger a flora e a fauna local. Entretanto, Joanice alerta que o sucesso da restauração exige manutenções contínuas nas áreas recuperadas.

— Restaurar a flora nativa é necessário, mas deve haver uma preocupação na manutenção das áreas de intervenção, porque normalmente as leucenas deixam muitas sementes e rebrotam muito rápido. E uma vez cortadas, essas sementes tentarão colonizar essas áreas novamente — destaca a agente do Ibama.

Em comunicado oficial, a prefeitura de Campo Grande declarou ainda prever "o engajamento da comunidade para a preservação ambiental, e a promoção da educação voltada para a conservação das espécies nativas." Engenheiro Florestal, Salvador Sá relata que informar a população sobre a importância da troca da espécie invasora pela flora nativa é fundamental para evitar mal-entendidos.

— Esse é um dos principais desafios no trabalho de erradicação da leucena, pois muitas pessoas acham ruim quando uma prefeitura tira árvores adultas para colocar no lugar mudas de espécies nativas. Esse é um dos fatores para dispersão da leucena, porque para o leigo, se está arborizado, está bonito. Eles não entendem a importância da substituição, e isso acaba se tornando um grande desafio político — disse o biólogo.

Fernando de Noronha

A leucena também tornou-se um problema em uma das áreas com controle mais rigoroso de atividades que possam impactar o meio ambiente: Fernando de Noronha. Os primeiros exemplares da leucena chegaram ao arquipélago na década de 1940, com o objetivo de alimentar os animais e servir como lenha. No entanto, a espécie se espalhou por regiões onde não havia sido plantada.

Com a disseminação pelo arquipélago, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) fez um mapeamento detalhado das plantas invasoras na ilha principal de Fernando de Noronha e, partir dele, elaborou um plano de controle da leucena que consiste no corte das árvores. Nas áreas onde a vegetação foi completamente substituída pela planta exótica, o órgão ambiental passou a fazer o plantio de espécies nativas.

Em entrevista ao GLOBO, o coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação em Biodiversidade e Restauração Ecológica (CBC/ICMBio) — órgão responsável pela conservação da biodiversidade na ilha — Alexandre Sampaio, destaca que o desafio do instituição em conter o crescimento da espécie na ilha requer um esforço especial.

— Temos um trabalho intenso de controle em Fernando de Noronha, que incluem cortes das árvores e remoção das plântulas recém germinadas. Nas ilhas, o impacto destas espécies é ainda maior devido a grande biodiversidade. Realizamos um mapeamento minucioso das espécies exóticas invasoras na ilha principal de Noronha, acompanhado de um plano detalhado de controle e ainda fazemos o plantio de espécies nativas — explica Alexandre.

Espalhadas pelo mangue

Em Aracaju, a leucena está localizada principalmente em áreas de mangue e à beira de estradas, mas se alastra por vários ambientes, desde canteiros centrais a áreas de preservação, como os manguezais. A planta chegou ao estado na década de 1960 graças à sua forte resistência a solos pobres e seu alto valor proteico. A espécie foi utilizada por anos como forrageira para alimentação de caprinos, ovinos e bovinos.

De acordo com informações do site da prefeitura, a Secretaria do Meio Ambiente (Sema) realizou, em 2021, uma ação com o intuito de erradicar a proliferação da espécie no Município, mas esclareceu que o resultado só seria alcançado a longo prazo.

"Após o primeiro corte, a planta cresce novamente, sendo necessários mais dois ou três cortes até morrer totalmente.", explicou a Secretaria em nota.

Em praças e canteiros centrais, foram plantadas espécies nativas após a retirada das leucenas. Já o mangue, com poder de regeneração mais rápido, teve a flora recuperada naturalmente, conforme relatou o órgão municipal em comunicado posterior.

'Foi um erro técnico'

A Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) do Ceará publicou, em maio de 2021, a "Lista de Espécies Vegetais Exóticas Invasoras para o estado do Ceará", que recomendava ações para a substituição de plantas como a leucena, por espécies nativas. Coordenador de educação ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), Lamartine Oliveira conta que a leucena foi uma das espécies invasoras mais fáceis de identificar por sua ampla difusão e por fazer parte de listas internacionais.

Introduzida no estado como forrageira para alimentação animal. Lamartine destaca que em alguns casos pontuais, foi também utilizada na recuperação de solos degradados, "por ser uma leguminosa com capacidade de fixar nitrogênio".

— Foi um erro técnico, introduziram uma espécie exótica invasora como solução ambiental e econômica, o que acabou favorecendo sua dispersão. A introdução foi intencional e sem critérios técnicos adequados — explica o professor.

Lamartine não acredita na extinção da leucena no estado, mas defende seu controle: — Não existe erradicação, existe controle. Não existe uma situação do mundo onde conseguiram erradicar uma espécie exótica invasora, seja vegetal, seja animal. A gente pode tentar diminuir a proliferação a níveis que fique fácil de controlar e evitar prejuízos econômicos, sociais e principalmente ambientais.

O professor defende que o trabalho no combate a leucena seja feito por três frentes: educação ambiental, implementação de legislações e fiscalização.

— Não existe o manejo seguro de uma espécie exótica invasora. Então tem que ser proibido o seu uso, proibido a produção de mudas, proibido o manejo dessa espécie. Para controlar a espécie precisamos de um trabalho muito amplo de educação ambiental, de fiscalização e implementação das legislações nacionais e estaduais na valorização e proteção da nossa biodiversidade — completa o professor.

Interior paulista

Municípios do interior de São Paulo também enfrentam desafios com a leucena na tentativa de preservar a biodiversidade. Introduzida originalmente para alimentar a bovinocultura da região, a planta passou a ameaçar outras espécies.

Ao GLOBO, o biólogo e diretor da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Itapira Anderson Martelli, afirmou que a erradicação da leucena ainda representa um grande desafio na cidade. Desde 2018, tentativas de controle esbarram na rápida capacidade de rebrota da espécie.

— A leucena é uma leguminosa com floração durante o ano todo e sua semente no solo pode ter duração de até cinco anos. Dessa forma, é importante a manutenção do local após a retirada — explicou Anderson.

A cidade, assim como outras da região, proíbe a plantação e uso da espécie por meio de decreto municipal. A Lei nº 4.509/09, que impôs o Código de Arborização Urbana, prevê a realização de ações contínuas de redução e substituição dessas plantas por árvores nativas do bioma local.

Anderson salienta que "em áreas onde ocorreu crescimento das leucenas, foi possível verificar a não ocorrência de qualquer outra espécie vegetal, caracterizando a alelopatia", fenômeno que interfere significativamente na germinação e desenvolvimento de outras plantas nativas.

Em Piracicaba, também no interior de São Paulo, o maior desafio no combate a leucena está nas margens do Rio Piracicaba, onde a espécie consome a vegetação e forma um “deserto verde”, que garante aparência saudável e de normalidade. Entretanto, ao crescer, a espécie inibe a diversidade vegetal e faz sucumbir a vida animal dependente de um ambiente diverso.

Por esta razão, a Prefeitura realizou, desde o último ano, ao menos oito ações de remoção da planta invasora no local. Em junho de 2024, foi promovido ainda, um curso de capacitação sobre técnicas de produção de mudas nativas e controle da leucena, que reuniu 50 alunos, entre docentes municipais, garis e estudantes.

“Práticas de reflorestamento e de restauração ecológicas exigem mudas de qualidade e de bom potencial genético. Além disso, para que as mudas nativas se estabeleçam na área, o combate a espécies invasoras é essencial. Essas questões fizeram parte do encontro e representam uma iniciativa de grande relevância para o sucesso do reflorestamento”, explicou o engenheiro agrônomo e servidor de Piracicaba, Felipe Del Lama, à época.

A Prefeitura de Caçapava deu início à retirada de exemplares da espécie plantados em áreas públicas urbanas, em 2021. Iniciativa semelhante foi adotada em Sorocaba, a Prefeitura local instituiu, em 2018, a Lei Municipal nº 11.169, que estabelece o Plano de Remoção de Leucenas (Leucaena leucocephala) e a substituição por espécies nativas.

Na ocasião, a gestão municipal informou, em seu site oficial, que não havia uma estimativa do número total de leucenas presentes nas áreas públicas, mas que realizaria estudos nos locais onde as árvores fossem removidas, a fim de “verificar quais espécies seriam apropriadas para a substituição”. A prefeitura também declarou que seriam plantadas espécies nativas de pequeno porte, mais adequadas à arborização urbana.

O GLOBO tentou contato, por diversos meios, com as prefeituras de Sorocaba e Caçapava para obter informações sobre os resultados das ações de substituição da leucena, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

Rio Grande do Sul

A leucena está presente na Lista Estadual de Espécies Exóticas Invasoras do Rio Grande do Sul, elaborada pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), em 2013. Segundo o órgão, a inclusão da espécie foi motivada por estudos que apontaram redução na diversidade de espécies nativas em áreas onde planta exótica se estabeleceu.

De acordo com o órgão estadual, o impacto acontece tanto pela competição por espaço e nutrientes, quanto pelo fato da planta formar populações densas que impedem o desenvolvimento de vegetações nativas.

Em nota enviada ao GLOBO, a secretaria estadual explicou que “ao alterar a composição da vegetação, a leucena afeta também a fauna local, prejudicando animais que dependem das plantas nativas para abrigo e alimentação”.

Apesar das restrições, a leucena está atualmente classificada na categoria 2 da lista estadual, o que permite seu cultivo com limitações específicas. Paralelamente, o Programa Estadual de Controle de Espécies Exóticas Invasoras esclarece que "desenvolve ações de monitoramento, fiscalização e controle dessas espécies, em articulação com outros órgãos ambientais."

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/07/15/importada-como-solucao-para-reflorestamento-arvore-exotica-tor

Por

Nathan Martins

Fonte: O Globo

ITTO Sindimadeira_rs