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O G1 visitou dois polos desse mercado em São Paulo e conversou com comerciantes e restauradores sobre a importância de conciliar negócio, história e sustentabilidade.
Loja de móveis usado na Av. São João — Foto: Vitor Muniz/G1
O mercado de móveis usados combina com a tendência atual de valorizar itens que já foram sucesso em décadas passadas e também é alternativa para quem busca sustentabilidade. Na cidade de São Paulo, o G1 esteve em dois polos desse mercado: os antiquários da Avenida São João e as oficinas de restauração do bairro de Pinheiros. Em comum, comerciantes e restauradores apontam que o negócio tem potencial e pode ser redescoberto por empreendedores, artesãos e clientes.
“Eu me vejo fazendo um bem para muita gente, e eu aprendi que nós podemos ganhar dinheiro e praticar sustentabilidade ao mesmo tempo”, afirma Roberto Laranjeira, dono de um antiquário localizado na Avenida São João.
Para Roberto, é preciso conscientizar a sociedade sobre o valor dos móveis de décadas passadas e não permitir que nosso acervo histórico vá para o lixo.
“Nós precisamos ensinar para a população que, quando ela permite que uma coisa dessa vá parar em um aterro, ela está mandando muitas outras coisas para o lixo junto”, explica Roberto. “Esses móveis contém uma história com um valor único, é muito pessoal”, afirma.
Peça antiga na etapa de pintura — Foto: Vitor Muniz/G1
A restauração possibilita que um objeto que provavelmente iria para o lixo, seja recuperado e enviado para a casa de alguém e, graças a alta duração do mobiliário feito com madeira maciça, ele ainda vai durar mais algumas décadas em comparação com móveis feitos de MDF, MDP e aglomerados.
Para o arquiteto do Estúdio Penha, Vitor Penha, esse contraste da durabilidade entre os tipos de madeira deve ser levado em consideração.
"O resgate do mobiliário vale mais apena do que comprar um móvel. O móvel que se fosse restaurado, duraria o resto da vida, é substituído por um que vai durar um dois ou três anos, aí vai entrar em um ciclo de compra", disse Penha.
"Nós não temos mais espaço para jogar tanta coisa fora, jogar um móvel no lixo", completou. "Devemos ensinar o cliente que ele precisa respeitar a memória. Nem tudo ele precisa jogar fora".
Para que o ciclo de sustentabilidade se conclua, o manejo dos móveis deve ser feito por alguém que “tenha a habilidade de artesão e conhecimento em decoração e marcenaria”, conforme aconselhado pelo Sebrae no relatório, ou seja, uma mão de obra qualificada.
Entretanto, esses profissionais estão desaparecendo do mercado.
O empresário e restaurador Albino Vila Neto ressalta que o trabalho de restauração de móveis demanda muita habilidade, conhecimento e, principalmente, paciência.
"Já passaram por aqui vários funcionários que não deram certo", afirma Albino. “Não é todo mundo que tem a paciência para trabalhar com a restauração de móveis, fazer a raspagem”.
Oficina para restauração de móveis antigos — Foto: Vitor Muniz/G1
Mão de obra
Mas como a falta de profissionais pode impulsionar o mercado? A curto prazo, a falta de mão de obra pode impulsionar financeiramente o mercado de mobiliário antigo, tendo em vista que a escassez de mão de obra qualificada pode fazer com que os preços pelo serviço subam e, como o mercado possui uma clientela fiel, a indústria pouco se abalaria.
"Se você quiser restaurar um móvel antigo e procurar alguém, você vai ver que é difícil encontrar, por que ele é um profissional escasso, e essa escassez aumenta o valor do serviço", diz Roberto.
Já a longo prazo, o problema em relação à falta de restauradores pode resultar em sérias consequências para a sustentabilidade e a preservação da história.
"Nosso acervo histórico acaba indo para o lixo porque as pessoas não acham alguém qualificado para o trabalho", completou.
Marceneiro restaurando um móvel. — Foto: Vitor Muniz/G1
Causa da escassez
Segundo Vanderlei, o fim dos cursos de marcenaria da Escola Liceu de Arte e Ofícios foi o estopim para o fim da cultura de restauração.
“Depois que o Liceu de Artes e Ofícios extinguiu os cursos manuais, os marceneiros migraram para oficinas de italianos e espanhóis. Esses artesãos deram continuidade aos trabalhos que faziam no Liceu”, pontou.
"Mas essa era a última turma de marceneiros realmente formados pela escola".
A instituição que, em 1873 começava a formação dos primeiros artesãos especializados em mobiliário europeu do Brasil, se rendeu a evolução nos processos de produção industrial e reformulou a grade curricular. Com a reestruturação, o Liceu extinguiu os cursos ligados à marcenaria.
“Hoje em dia já existe uma dificuldade em encontrar profissionais qualificados e poucas pessoas se interessam em fazer um curso de restauração, que não é uma coisa que você aprende fácil, leva anos para aprender”, afirmou Vanderlei. “Hoje nós já temos dificuldade em encontrar mão de obra, em 20 anos, vai ser ainda pior”.
Oficina da loja de móveis localizada na Av. São João — Foto: Vitor Muniz/G1
Apesar da oportunidade de negócio, comerciantes e arquitetos do ramo de móveis clássicos alertam que a continuidade da cultura da restauração a longo prazo pode estar condenada pela desvalorização do trabalho manual e pela ausência de cursos específicos, levando os profissionais especializados restauro de móveis clássicos à extinção.
Junto à falta de interesse dos jovens e a desvalorização do trabalho manual, uma das principais causas da escassez de restauradores é a falta de cursos qualificados em formar artesãos especializados em mobiliário antigo.
Hoje, o Brasil conta com apenas um grande complexo de educação industrial público que oferece vagas na área de madeira e mobiliário: o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Entretanto, refletindo este cenário, o Senai apresentou uma queda considerável no número de matrículas para os cursos profissionalizantes da área.
Segundo o Senai, o número de matrículas tem caído em vários estados do país em relação aos três anos anteriores.
Número de matrículas para os cursos de madeira e mobiliário
Balanço do Senai apresentou uma queda nas matrículas em relação aos últimos 4 anos em vários estados
Convivendo com as dificuldades
Para driblar esta tendência, Roberto Laranjeira criou um curso de restauração na tentativa de impulsionar o mercado e restaurar, também, a profissão. Ainda em fase inicial, seu curso não possui apoio ou procura. Para ele, a desvalorização do trabalho manual pela sociedade impacta diretamente sua loja e o mercado de uma forma geral.
"Nós não capacitamos essas pessoas mais, hoje temos outra cultura: a cultura das coisas mutáveis. É preciso resgatar esse profissional que resgata histórias e agregar valor a ele. Só assim nós fechamos o ciclo de sustentabilidade", afirma Roberto Laranjeira.
Para o arquiteto Vitor Penha, diante desse cenário, é importante esperar com otimismo uma reinvenção da indústria e que "vão surgir novas pessoas com interesse de restaurar a memória do artesão".
"Talvez aquele restaurador do formato antigo se reinvente de outra maneira, com jovens designers, dando novas possibilidades de uso, um reaproveitamento do material", ressalta o arquiteto.
(*Sob orientação de Ardilhes Moreira)
Fonte: Por Vitor Muniz *, G1
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