Voltar

Notícias

24
mai
2012
(PAPEL E CELULOSE)
RS: Polo papeleiro ainda está longe de se tornar realidade
Na metade da década passada, o Rio Grande do Sul vivia a expectativa de que projetos na área de celulose das empresas Aracruz, Stora Enso e Votorantim Celulose e Papel (VCP) resultassem na atração de mais de US$ 4 bilhões em investimentos para o Estado. No entanto, o projeto mais tangível até agora é apenas da expansão da fábrica de Guaíba (ex-Aracruz e depois Fibria), que atualmente é desenvolvido pela CMPC Celulose Riograndense.

A crise financeira mundial (desencadeada ao final de 2008), operações malsucedidas de derivativos da Aracruz e, posteriormente, o endividamento formado com a criação da Fibria (proveniente da fusão da Aracruz com a VCP) impactaram de forma drástica os empreendimentos. Soma-se a isso empecilhos quanto à aquisição de terras brasileiras por empresas de capital estrangeiro.

Em 2009, quando o grupo chileno CMPC adquiriu a planta de Guaíba da recém-formada Fibria, pelo montante de US$ 1,43 bilhão, houve um alento para o setor e a possibilidade de que a ampliação da unidade seria confirmada. Essa perspectiva é mantida ainda hoje, mas além da revisão de aspectos técnicos e financeiros do complexo, a CMPC também enfrenta as dificuldades impostas às companhias de capital estrangeiro para ampliar a sua área de plantio de eucaliptos no Rio Grande do Sul.

A empresa pretende passar de 450 mil toneladas para 1,8 milhão de toneladas a sua capacidade de produção de celulose anual no Estado. O presidente da CMPC Celulose Riograndense, Walter Lídio Nunes, informa que o projeto está na fase de engenharia básica, finalizando soluções técnicas, orçamento, entre outros pontos. Essa etapa deverá ser concluída até a metade deste ano e, posteriormente, o plano será apresentado aos acionistas.

Com a aceitação, a previsão é de concluir as obras ao final de 2014. O executivo lembra que quando a CMPC assumiu a operação, foi revista toda a concepção do empreendimento. “A conjuntura mudou e os custos e soluções técnicas podem ser um pouco diferentes do passado, por isso foi preciso refazer o planejamento”, diz Nunes. A estimativa era que a ampliação, quando nas mãos da Aracruz, e, depois da Fibria, absorvesse cerca de R$ 4,9 bilhões. Os recursos contemplariam uma série de obras logísticas.

A ideia da utilização da hidrovia gaúcha para o transporte de matérias-primas e celulose se mantém, mas também está sendo reestruturada. A companhia construirá às margens da Lagoa dos Patos um terminal para escoar a produção de celulose. Esse complexo estava previsto para ser implementado em São José do Norte, no entanto, o município de Rio Grande surgiu como alternativa. “Estamos olhando todas as possibilidades, estamos abertos para achar a melhor solução, porque há interesse do Rio Grande do Sul de deixar áreas em São José do Norte para estaleiros”, comenta Nunes.

Empreendedores tentam reverter parecer da AGU que emperra investimentos no setor

As companhias de celulose, aliadas a outros segmentos da economia, como o do agronegócio, tentam solucionar o problema gerado com o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), emitido no final de 2010, que limita a 50 módulos de exploração indefinida a compra de terras tanto para empresas estrangeiras quanto para grupos brasileiros controlados por capital estrangeiro. Esses módulos, adotados pelo Incra, variam de região para região do País e permitiriam, no máximo, a aquisição de 5 mil hectares em localidades mais remota. No Rio Grande do Sul esse limite é menor.

Em Guaíba, por exemplo, onde está localizada a unidade da CMPC Celulose Riograndense, seria possível adquirir apenas 250 hectares. A presidente da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), Elizabeth de Carvalhaes, reitera que os investidores já estão negociando com o governo federal uma solução para a insegurança jurídica causada pela medida.

“Essa incerteza levará o Brasil, no médio prazo, a perder competitividade e a nação deixará de atrair investimentos”, teme a dirigente. Ela acrescenta que as multinacionais do setor são empresas com CNPJ brasileiro e capital misto, e parcela dos investimentos destinados ao aumento da produção de madeira no País será aportada por elas. “Por isso, é importante que se resolva a questão com urgência”, sustenta. Elizabeth reitera que a Bracelpa negocia o tratamento isonômico às companhias nacionais, independentemente da origem do controle de seu capital social, sem qualquer condição diferenciada para o acesso e uso da terra. De acordo com ela, o governo precisa estabelecer mecanismos para diferenciar o capital produtivo, valorizando os produtores que investem e geram emprego e renda.

“Fomos surpreendidos por essa medida que mudou a regra do jogo no meio dele”, lamenta o presidente da CMPC Celulose Riograndense, Walter Lídio Nunes. Ele ressalta que não houve um debate com os empreendedores ou um período de transição. O dirigente acredita que a solução poderá vir através de ações do Executivo ou do Legislativo, ou com uma convergência de ambos. Ele argumenta que para desenvolver o País não é viável contar unicamente com investimentos internos. “Estamos em uma economia globalizada, capital não tem pátria, e a base fundiária é um ativo importante que o Brasil possui”, enfatiza. O executivo sugere a criação de mecanismos que permitam apontar os investimentos que estão alinhados com o planejamento e desenvolvimento que o País quer ter.

A CMPC Celulose Riograndense, por ter capital chileno, também está sendo impactada pelo parecer da AGU. A decisão não afeta as terras já adquiridas pela empresa, porém, interfere na compra de novos espaços.

Atualmente, a companhia possui no Rio Grande do Sul uma base florestal de cerca de 213 mil hectares, contando a área de preservação, que totaliza em torno de 80 mil hectares. O grupo almeja mais 35 mil hectares, entre áreas de plantio e preservação, para atender à demanda de expansão da sua produção de celulose. A CMPC pretende adquirir essas terras em regiões em que já está presente. Hoje, possui terrenos em mais de 40 municípios gaúchos. A abrangência vai de Guaíba até São Gabriel.

A empresa possui ainda acordos com fornecedores fomentados para o abastecimento de matéria-prima. Nunes afirma que, independentemente do parecer da AGU, os contratos com os proprietários rurais serão cumpridos. A CMPC tem a vantagem de já contar com uma unidade industrial operando, que pode ser alimentada pela madeira desses produtores. O mesmo não ocorre com a Fibria. A companhia, que previa a construção de uma fábrica de celulose em Rio Grande ou Arroio Grande, não tem um complexo dentro do Estado para absorver a produção.

Também tramita na Câmara dos a proposta de um projeto de lei (PL) que tratará da aquisição de terras por pessoas físicas e empresas estrangeiras. A subcomissão da Comissão de Agricultura que analisa a matéria tem tido dificuldade de chegar a um consenso em torno do texto do relator. A votação do relatório está prevista para ocorrer nos próximos dias. Não há acordo sobre a proposta entre os integrantes do grupo, por isso a votação tem sido adiada desde o ano passado. Segundo o relator, deputado Beto Faro (PT-PA), o ponto mais polêmico é a anistia para todos os estrangeiros que compraram imóveis rurais até agora, sejam pessoas físicas ou companhias.

Para ele, só devem ser anistiadas as empresas nacionais com participação de capital estrangeiro que adquiriram terras entre 1999 e 2010. Já o presidente da subcomissão, deputado Homero Pereira (PSD-MT), sustenta a anistia para todos os estrangeiros - pessoas físicas ou jurídicas - que compraram ou estão em vias de comprar terras, para garantir segurança jurídica para os investidores.

Fibria e Stora Enso buscam soluções para projetos gaúchos

Se o parecer da AGU dificulta os planos da CMPC Celulose Riograndense, ele praticamente inviabiliza a construção de unidades de celulose no Rio Grande do Sul por parte Stora Enso, ou a venda das terras que a Fibria ainda mantém no Estado para capital estrangeiro. Os chilenos não são tão afetados pela questão quanto as outras duas companhias, pois já possuem uma larga base florestal e uma fábrica em atividade no Estado.

O vice-presidente da divisão de Biomateriais da Stora Enso, Otavio Pontes, informa que a Stora Enso possui 45 mil hectares de terras no Rio Grande do Sul, dos quais 20,8 mil registram plantio. Conforme o dirigente, as atividades da empresa no momento estão restritas à manutenção das plantações existentes e cuidados com a conservação das fazendas, assim como cumprir com as condicionantes ambientais definidas nas suas licenças.

De acordo com ele, o projeto de construção de uma fábrica de celulose branqueada de eucalipto dependerá, além da complementação da base florestal, de condições favoráveis de mercado. “Atualmente, estão sendo estudadas alternativas de melhor uso da madeira das plantações existentes”, informa o executivo. Pontes acrescenta que a Stora Enso não contemplou plantios florestais com produtores locais nesta primeira fase do seu investimento.

Sobre a possibilidade do grupo adquirir mais hectares no Rio Grande do Sul, ele lamenta que, hoje, empresas brasileiras com maioria de capital estrangeiro foram equiparadas a companhias estrangeiras e estão praticamente impedidas de comprar terras no Brasil. “As restrições decorrentes do parecer da AGU inviabilizam projetos que dependam de aquisição de terras para plantações destinadas a suprir matéria-prima para indústrias”, aponta o dirigente.

Já no caso da Fibria, o chamado projeto Losango, como um todo, previa investimento de US$ 1,3 bilhão no Estado na plantação de eucaliptos e em uma fábrica com capacidade para produzir aproximadamente 1 milhão de toneladas ao ano de celulose. Essa unidade deveria ser instalada no município de Rio Grande ou em Arroio Grande. A companhia não detalha o futuro do empreendimento, mas através de nota informa que “está avaliando a melhor alternativa para gerar um evento de liquidez com a base florestal implantada no Rio Grande do Sul, que agregue valor para a empresa e, ao mesmo tempo, para a região onde está instalada”.

A venda do projeto é uma das hipóteses estudadas. No entanto, essa decisão, se confirmada, pode esbarrar novamente no parecer da AGU. A empresa, devido ao segmento em que atua e tamanho do empreendimento, deverá enfrentar dificuldades para encontrar um comprador que não seja constituído de capital estrangeiro.

Conjuntura internacional também causa preocupação

Os resultados do setor em 2011 foram positivos, pois mantiveram o patamar de 2010, considerado um ano de bom desempenho. A avaliação é da presidente da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), Elizabeth de Carvalhaes. “Mas o cenário da economia mundial é preocupante”, alerta a executiva. Por isso, no curto prazo, as companhias de celulose e papel, influenciadas pela instabilidade nos principais mercados mundiais, adotarão medidas austeras para contenção de caixa, prevê ela.

No médio e longo prazos, a expectativa do setor é avançar nos planos de expansão da base florestal. As empresas estão se preparando para investir em tecnologias de plantio, baseadas em estudos genéticos. Um dos fatores que impulsionará essas inovações é o aumento populacional já previsto pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O mundo atingirá a marca de 8 bilhões de habitantes em 2025.

Essa perspectiva de crescimento da população demandará um esforço global para alimentar, vestir e dar conforto aos habitantes do planeta, sem exaurir os recursos naturais, antecipa Elizabeth. Nesse cenário, acrescenta ela, a madeira será fundamental para atender à parte dessas necessidades, pois tem múltiplos usos.

A dirigente destaca que o Brasil deseja ser um importante fornecedor dessa madeira. A presidente da Bracelpa reitera que as indústrias de celulose e papel estão se preparando para esse desafio, investindo em tecnologias de plantio florestal ainda mais avançadas, baseadas em biotecnologia, especialmente em transgenia arbórea. “A aplicação de novas técnicas de cultivo florestal será essencial para suprir a demanda crescente de alimentos, biocombustíveis, fibras e florestas e permitirá aprimorar o uso da terra, da água, de energia e demais recursos naturais, em busca de uma produção cada vez mais sustentável”, conclui Elizabeth.

Fonte: Jefferson Klein/Jornal do Comércio

ITTO Sindimadeira_rs